Dentro da Legalidade

O que regulamenta os documentos digitais no Brasil? Especialistas de várias áreas mostram o que vale ou não vale no universo do e-doc.

Cassio Vaquero: o microfilme é analógico e tem independência tecnológica

[private] Não é de hoje que o mundo corporativo já identificou a necessidade de diminuir o volume de papéis dentro dos escritórios. Também não é novidade que muitos dizem que este “universo de papel”, está vivendo seus últimos dias, na história do homem. E, não há como negar que os documentos em papel têm muito valor, especialmente, se eles têm carimbos, selos, assinaturas e são aceitos em qualquer estância jurídica do nosso País.  Na verdade, paralelamente aos milhões de páginas geradas diariamente nas mais diferentes áreas da sociedade organizada, existe um outro enorme volume de informações na forma documental geradas em meio digital. Portanto, os documentos digitais hoje são utilizados numa enorme gama de transações comerciais.

Existem documentos que nascem digitais, que podem até em algum momento de sua existência ter “virado” papel, mas essencialmente são documentos eletrônicos, coexistindo com os tradicionais documentos em papel com assinaturas manuscritas, ambos com validade legal.  Mas é exatamente ai que se inicia uma discussão, que do ponto de vista de muitos especialistas, está apenas começando.

Direito digital

Conforme explica a advogada especializada em Direito digital e consultora, Patrícia Peck, da PPP advogados, “o Direito Digital é o conjunto de regras e códigos de conduta que regem o comportamento e as novas relações dos indivíduos, cujo meio de ocorrência ou a prova da manifestação de vontade seja o digital, gerando dados eletrônicos que consubstanciam e representam as obrigações assumidas e sua respectiva autoria. Deve, portanto, reunir princípios, leis e normas de auto-regulamentação que atendam ao novo cenário de interação social não presencial, interativo e em tempo real”.

Conforme conceitua a advogada, o Direito Digital é uma evolução do próprio Direito, principalmente, para atender às mudanças de comportamento e às necessidades de novos controles de conduta gerados pelo uso da tecnologia.

Diante de uma nova situação como esta, o documento digital, que não é papel, passa a obedecer regras para ser considerado documento. O fato é que estamos vivendo, hoje, exatamente o momento em que a definição deixa de ser retórica e passa à prática. Um email, por exemplo, é um documento.

Conforme explica o Dr. Marcos da Costa diretor da OAB – Ordem dos Advogados do Brasil - seção São Paulo, “O documento é um fato com capacidade jurídica. Assim, um contrato, por exemplo, que pode ser escrito ou verbal, tem validade perante a lei. Da mesma forma, um contrato com uma assinatura manuscrita ou com assinatura digital também possui esta validade. A única diferença é que o contrato digital é gerado e assinado por bits”, exemplifica.

Recentemente foi publicada e já entrou em vigor a Lei n° 11.419  de dezembro de 2006 que regulamenta, o uso do meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, isto é, com a publicação desta lei é permitido ao judiciário que já disponha de meios ( hardwares e softwares), o uso do formato eletrônico em todos os trâmites processuais desde uma intimação até a apresentação de petições, ou mesmo a publicação do Diário da Justiça no formato eletrônico.

Com isso estima-se uma economia anual de R$ 4 milhões no Judiciário, mas embora não existam ainda previsões do volume de negócios que serão gerados, há um consenso entre os especialistas que os ganhos ocorreram nas mais variadas áreas. Além da economia e da agilidade também são outros grandes ganhos. Segundo estudos recentes realizado nos Juizados especiais, onde o projeto foi experimentado, o tempo de um processo foi reduzido de 800 dias para 200 e com a automatização a tramitação caiu para apenas 40 dias. Com este estimulo e exemplo partindo do Judiciário estima-se que haja um incremento do uso de documentos eletrônicos, por parte da sociedade civil.

Certificação digital

Para que o documento digital possa ter este status de “documento legal” , a Medida provisória MP 2.200 que institui as Chaves Públicas Brasileiras, regulamenta em um de seus artigos que para ter esta validade, os documentos sejam certificados digitalmente.

O certificado digital é um documento eletrônico que possibilita comprovar a identidade de uma pessoa, uma empresa ou um site, para assegurar as transações on-line e a troca eletrônica de documentos, mensagens e dados.

Marcio Nunes: trabalho para disseminação do uso da certificação digital

Essa tecnologia permite assinar, digitalmente, qualquer tipo de documento, conferindo-lhe a mesma validade jurídica dos equivalentes em papel assinados de próprio punho. Os Certificados Digitais viabilizam o acesso a serviços virtuais da Secretaria da Receita Federal, por exemplo, mas principalmente atendem aos requisitos de segurança para a realização de negócios eletrônicos.

Entre os requisitos estão a Autenticidade que garante a identidade de todas as partes envolvidas; a Confidencialidade que assegura o sigilo das informações, para que não se tornem de conhecimento de pessoas não autorizadas; a Integridade que protege contra a modificação imprópria da mensagem, garantindo o seu conteúdo original e o Não-repúdio que impede as partes de negarem a participação no negócio eletrônico.

Para Márcio Nunes, da Certisign, a certificação digital é o instrumento técnico mais jurídico que existe. “No Brasil e no mundo já existem normas para o uso da Certificação Digital, entretanto, culturalmente na sociedade seu uso ainda é pequeno”, reitera.

Segundo ele, a legislação por não cobrir todo o universo da documentação, não prescinde a existência das cópias em papel que obedecem a uma tabela de temporalidade, determinada por outras regulamentações especificas, de acordo com o tipo de documento.

“O mesmo não acontece com aqueles documentos que já nasceram digitais, como é o caso da Nota Fiscal Eletrônica, que não necessita de uma versão física para ser considerada um documento legal, por exemplo”, comenta.

Segundo alguns especialistas, não há ainda na legislação nacional nenhuma lei específica que obrigue que necessariamente um documento tenha que ter um carimbo ou uma validação feita pelos vários cartórios, entretanto de outro lado, a utilização dos cartórios permite que um terceiro tenha conhecimento e a guarda de um documento entre duas partes, assegurando, com isso, a imparcialidade e a confiabilidade fundamentais.

“Estamos trabalhando nos últimos cinco anos, para que haja uma disseminação do uso da certificação nos documentos, porém, hoje, já se discute a necessidade de sua evolução para que esta certificação venha a ter uma maior longevidade”, analisa Nunes.

Na prática, o certificação digital funciona como uma carteira de identidade virtual que permite a identificação de uma mensagem ou transação. O processo de certificação digital utiliza procedimentos lógicos e matemáticos para assegurar a confidencialidade, integridade das informações e confirmação de autoria.

Por a certificação assegurar a autenticidade e integridade de documentos, pode ser considerada como um avanço para o setor. “Ela esta em linha com a necessidade de se ter um padrão de identidade digital, que é fundamental para o Direito, pela questão da prova de autoria, tanto para pegar o infrator, como para proteger o inocente, que pode ser envolvido como um “laranja digital” em um determinado caso. A certificação digital e a biometria podem trazer mais capacidade de prova jurídica, ou seja, a tecnologia esta ajudando o Direito a se tornar mais eficaz, ao contrário do que muitos podem imaginar”, comenta Patrícia Peck.

Microfilmagem

A legislação sobre microfilmagem de documentos é a mais antiga existente no Brasil e data ainda do final da década de 60 ( Lei 5433/68). O microfilme é considerado como a única mídia que possui uma lei federal regulamentando.  “Não existe a lei do HD, lei do CD. A lei é muito clara: o microfilme é uma mídia que não pode ser alterada, ou seja, depois de microfilmado um documento, não há como este ser alterado”, explica Cássio Vaquero da Kodak , uma das maiores fabricantes de microfilmes no mundo.

Para que o microfilme tenha um valor legal ele também deve estar orientado por algumas normas.  Para existir ele deve haver um termo de abertura e encerramento do filme. Um responsável assina este termo, tanto na abertura do processo quanto no seu encerramento, assegurando o que foi microfilmado naquele rolo de filme. Sem estas duas cartas, o rolo de filme não tem valor.

“A lei é clara neste aspecto. Há um número de autorização da empresa que realiza o serviço. Quem assina é responsável criminalmente pela integridade do documento. Assim, a lei diz quem pode fazer a microfilmagem, como fazer e se houver uma adulteração quais as conseqüências legais que esta pessoa sofrerá”, afirma Vaquero.

Segundo o executivo da Kodak, o microfilme não é obsoleto, passou por transformações tecnológicas quanto aos processos de fabricação dos filmes, desde sua criação em 1929, mas é ainda bastante atual. “O microfilme é um meio analógico. É uma mídia que tem independência tecnológica e não necessita de um hardware ou software para existir”, defende.

Patricia Peck: a certificação assegura a integridade dos documentos como prova de autoria, tanto para pegar o infrator, como para proteger o inocente.

Neste âmbito, o que evoluiu foram os equipamentos, hoje eletrônicos de microfilmagem, bem como Scanners  de microfilmes que permitem a produção de documentos digitais e em papel para pesquisas. “

“Por se tratar de uma mídia desenvolvida para documentos, com uma legislação específica para sua regulamentação, o microfilme, quando se fala de gestão de documentos à longo prazo é uma dos processos mais atrativos”, argumenta.

Os grandes consumidores de serviços de microfilmagem são os bancos, com milhões de cópias ao ano, principalmente por uma característica bastante intrínseca a esta mídia que é a preservação.

O futuro

Se, os documentos, como os conhecemos, no futuro, serão legitimados pela certificação ou pela microfilmagem ainda é muito cedo para dizer.

Hoje, ambas as formas interagem de várias maneiras dentro do mundo corporativo. Entretanto, o fato é que apesar da existência e legalidade dos documentos digitais, o nosso mundo ainda não prescinde dos documentos em sua forma mais antiga de registro que é o papel. [/private]

Share This Post

Post Comment