Mulheres no topo: como tem sido a ascensão feminina em setores tradicionalmente masculinos?

Mulheres no topo: como tem sido a ascensão feminina em setores tradicionalmente masculinos?

Executivas de diferentes áreas compartilham suas trajetórias e desafios em mercados dominados por homens, destacando avanços e barreiras para a equidade de gênero

Apesar da presença feminina ter avançado em setores tradicionalmente dominados por homens, como tecnologia, finanças, agronegócio e jurídico, a desigualdade salarial, baixa representatividade em cargos de decisão, dificuldade de acesso a redes de influência, além de preconceitos enraizados e a sobrecarga com a dupla jornada entre trabalho e vida pessoal persistem. No setor industrial brasileiro, por exemplo, as mulheres ocupam apenas 29% dos cargos de liderança. Dados divulgados em 2023 pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) em parceria com o Instituto FSB mostram que apenas 14% das empresas possuem áreas específicas dedicadas à promoção da igualdade de gênero no ambiente de trabalho, e somente 5% contam com orçamento próprio para essas iniciativas. 

O agronegócio, por exemplo, é uma área em que a participação feminina é limitada. Em 2022, as mulheres representavam 16,2% da força de trabalho no segmento, segundo dados da Deloitte. Atualmente, a força feminina participa da administração de mais de 30 milhões de hectares de áreas agropecuárias, o que equivale a cerca de 8,4% da área total ocupada pelos estabelecimentos rurais no país. Apesar disso, no setor, a tecnologia vem sendo impulsionada por uma presença crescente de mulheres na liderança, transformando tanto o agro quanto a inovação digital. Para Jacqueline Oliveira, Technology Officer da Orbia, a maior plataforma digital integrada do agronegócio na América Latina, a tecnologia não se constroi sem pessoas e boas parcerias. “O diferencial será contar com equipes plurais, que  respeitem as diferenças e que façam disso a força do time, que elas sejam próximas do negócio e capazes de transformar desafios complexos em soluções simples e aplicáveis. Acredito que nosso olhar precisa estar no simples. No agro e na tecnologia, setores historicamente masculinos, a presença feminina na liderança tem sido essencial para impulsionar a inovação e garantir que a transformação digital faça sentido para a realidade do campo”, enfatiza a especialista. 

Outras executivas de tech reconhecem que o avanço das mulheres ainda enfrenta desafios significativos, mas também demonstra sinais de mudança. Camilla Kobayashi, Diretora de Pessoas na Zup, destaca que a representatividade feminina tem sido impulsionada por iniciativas de capacitação, redes de apoio, vagas afirmativas e programas de mentoria. "A tecnologia ainda é um setor predominantemente masculino, mas temos avançado na construção de um ambiente mais diverso e inclusivo. A mudança passa por investimento em formação, oportunidades de crescimento, intencionalidade na busca de um pipe diverso de candidatas e um compromisso genuíno das empresas em quebrar barreiras estruturais. Na Zup, buscamos incentivar mulheres a ocuparem espaços estratégicos, pois sabemos que a diversidade fortalece a inovação e os resultados do negócio", destaca. 

Para Camila Shimada, Head de Marketing & RH na Lerian, a predominância masculina no setor ainda é uma realidade, o que torna a contratação e retenção de talentos femininos um desafio que exige investimento em recrutamento e formação. “Meu maior desafio como RH é consolidar uma cultura de respeito, transparência e meritocracia, garantindo um ambiente equitativo. Acredito que a mudança começa quando nós, mulheres, não perdemos nossa essência. Muitas vezes, tentamos nos enquadrar em um modelo mais masculino para sermos aceitas, mas não precisamos mudar quem somos para crescer. Nossas diferenças trazem equilíbrio, inovação e agregam para um ambiente mais saudável. Liderar com autenticidade, sensibilidade e força é a chave para um ambiente verdadeiramente inclusivo, onde todos possam prosperar".

A pesquisa da Deloitte, de 2022, também relatou que 41% têm sua capacidade profissional questionada, apesar de 9% das trabalhadoras possuírem ensino superior, em comparação com 3% dos homens. A representação feminina no setor de tecnologia brasileiro é de 0,07%. O levantamento realizado pela Serasa Experian se baseou em mais de 93,3 milhões de pessoas do gênero feminino. O dado vai de encontro ao divulgado pela pesquisa Woman in Technology, mostrando que em toda a América Latina, menos de 30% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres. 

“Ser mulher na tecnologia é ter que provar o óbvio”, afirma Marcellye Hansen, Chief Product Officer (CPO) da LaunchPad Influencers, plataforma de IA dedicada a influenciadores digitais. “Já reportei uma falha com provas incontestáveis e fui invalidada porque aquilo questionava o código escrito por um homem, mas o mercado não nos dá escolhas: ou enfrentamos as barreiras ou deixamos que decidam por nós”.

Nesse contexto, crescer em um ambiente de incentivo pode fazer a diferença, como foi o caso da Bia Rosito, VP of People da Moises, plataforma líder em IA e música, premiada como melhor app do ano para iPad em 2024. “Tive a sorte e o privilégio de ser criada com a ideia de que mulheres devem ser independentes, e o desejo por sucesso profissional sempre foi incentivado. Entrar no mercado de trabalho com essa mentalidade me deu um impulso de confiança que, sem dúvida, foi fundamental. No entanto, com o tempo, experiência e maturidade, percebi que essa não é a realidade para todas.” Com 20 anos de carreira, a executiva reconhece que muita coisa mudou. Para ela, participar de programas de mentoria de lideranças femininas foi um dos fatores cruciais para o seu desenvolvimento.

Para Patrícia Abrell, Diretora Geral da BHalf Digital, ser mulher na liderança é encarar desafios diários que vão desde equilibrar carreira e vida pessoal até romper barreiras impostas pelo mercado. “Cresci em um ambiente onde o esforço e a resiliência eram valores essenciais, e essa base me ajudou a construir uma trajetória marcada por escolhas corajosas e mudanças estratégicas. Desde os primeiros passos no marketing até a consolidação no mercado digital, enfrentei obstáculos como a necessidade de provar constantemente minha competência e lidar com os julgamentos sobre conciliar maternidade e carreira”. 

“A maternidade, por sua vez, me tornou ainda mais eficiente e determinada, ensinando a valorizar cada minuto e a priorizar o que realmente importa. O apoio de um parceiro presente e a busca pelo equilíbrio foram fundamentais para seguir crescendo sem abrir mão da minha realização pessoal e profissional. Ser líder é também ser inspiração, e quero mostrar à minha filha que trabalho não é apenas uma necessidade, mas um caminho para o desenvolvimento e a felicidade. Ainda há desafios, mas aprender a focar no essencial e seguir evoluindo faz dessa jornada algo desafiador, porém extremamente gratificante”, pontua Patrícia.

Outras áreas também têm avançado na inclusão feminina, mas ainda há um longo caminho a percorrer para garantir equidade de gênero nos ambientes corporativos. Na área de revenue, que envolve estratégias de crescimento e geração de receita, a presença masculina ainda é predominante, tornando o avanço das mulheres um desafio adicional. Esse cenário se conecta diretamente ao papel do RH dentro das empresas, uma vez que políticas de diversidade e inclusão são fundamentais para mudar essa realidade. Na Factorial, que atua justamente apoiando empresas na construção de uma cultura organizacional mais estruturada e inclusiva, a diversidade também é um pilar estratégico para o próprio crescimento do negócio.

"Minha trajetória sempre foi em ambientes dominados por homens. Desde o início da carreira, muitas vezes fui a única mulher na equipe, especialmente na área de investimentos, onde a presença feminina era mínima. Em vez de encarar isso como uma barreira, aprendi a usar essa posição para trazer um olhar estratégico e diferenciado. Em revenue, essa perspectiva é essencial, pois crescimento não vem apenas de vendas, mas de uma visão transversal do negócio. Na Factorial, valorizamos essa diversidade de pensamento, pois sabemos que diferentes perspectivas são fundamentais para impulsionar resultados e transformar mercados tradicionalmente masculinos", destaca Antonia Rocha, CRO Brasil da Factorial.

Setores como finanças e jurídico mostram que, de maneira geral, a presença feminina em posições de liderança é dificultosa. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 39,3% dos cargos gerenciais no país são ocupados por mulheres. Renata Khaled, vice-presidente de vendas da Tuna Pagamentos, fintech líder em orquestração no Brasil, revela que, ao longo de sua trajetória, investir no desenvolvimento da liderança foi essencial para alcançar o sucesso. 

“Sempre me preocupei com pessoas e em manter a transparência para ter o time engajado. Isso envolveu ouvir mais do que falar, saber questionar e testar novas hipóteses. Não foi sempre que os meus interlocutores pensaram da mesma forma — e esses eram parte da liderança que precisaria comprar a ideia. Então, passei a aprender mais sobre comunicação e comportamento. Não para as minhas ideias serem sempre aceitas, mas para transmiti-las da melhor forma, sem deixar de me posicionar e utilizando questionamentos certos a fim de levantar novos formatos e soluções”, conta a executiva, que indicou o livro Pense de Novo, de Adam Grant.

Para que a igualdade de gênero seja promovida, implementar políticas que incentivem a participação feminina em todos os níveis hierárquicos é essencial, especialmente em cargos de liderança. A criação de áreas dedicadas à promoção dessa igualdade, a oferta de programas de qualificação e liderança para mulheres e a garantia de paridade salarial são medidas cabíveis a fim de transformar esse cenário.

Imagem: https://pt.vecteezy.com/foto/36797917-ai-gerado-uma-alegre-grupo-do-jovem-mulheres-sorridente-olhando-as-camera-gerado-de-ai

Share This Post

Post Comment