ECM no radar do setor público

A busca por tecnologia de ponta para gestão de conteúdo corporativo entrou em ritmo acelerado no radar do setor público, nas esferas municipal, estadual e federal. Quem acompanha a dinâmica dessa área percebe o crescimento significativo de licitações nos últimos anos, além da divulgação de cases bem-sucedidos em diferentes órgãos e diversos movimentos que indicam a intenção do setor público de buscar e compartilhar experiências e conhecer as tecnologias disponíveis no mercado. 

[private] Na Dataprev (empresa de TI da Previdência Social), por exemplo, uma das edições de 2009 do seu Fórum TIC teve como tema principal a Gestão de Conteúdos Empresariais/Corporativos (ECM), com uma etapa destinada à clarificação do conceito e ao conhecimento das metodologias e tecnologias que o compõem atualmente. Outra fase do evento foi dedicada à apresentação e discussão de diversas experiências de órgãos da administração pública federal nessa área.

A importância atribuída ao tema refletiu-se no discurso do ministro da Previdência Social, José Pimentel, uma das autoridades presentes ao fórum. Pimentel falou sobre os esforços da Dataprev em reduzir a papelada ainda muito utilizada na Previdência Social. “Queremos aposentar o uso desse recurso nas três Casas da Previdência”, disse o ministro, lembrando que a Dataprev já avançou nesse terreno, eliminando “sacos de documentos que antes eram levados às agências da Previdência Social”. Na Dataprev, atividades relacionadas com captura, gerenciamento, armazenamento, preservação e distribuição de conteúdo estão a cargo do Departamento de Gestão de Informações, suportado pela Diretoria de Infraestrutura de TIC.

Entre os cases apresentados no evento, destacou-se o da própria Dataprev, além de vários outros, como  Marinha do Brasil e Superior Tribunal de Justiça (STJ). Esse último, em acordo com a Lei nº 11.419/2006, que dispõe sobre a informatização dos processos judiciais no Brasil, iniciou em 2009 um projeto de digitalização de processos que deverá permitir a migração e tramitação eletrônica de todo o volume (cerca de 300 mil processos) até o fim de 2010.

Os gestores reunidos no fórum discutiram pontos importantes e compartilharam avanços e dificuldades de vários projetos, alguns ainda em andamento. “Na minha opinião, o objetivo maior era dar mais subsídios ao governo não apenas para a contratação, mas também para a elaboração de projetos. Foram abordados vários temas relacionados, como soluções de ECM em código aberto e estratégias de gerenciamento de mudanças (change management), tendo em vista o impacto desse tipo de projeto sobre os funcionários”, diz Wilton Tamane, diretor de Desenvolvimento de Negócios da CNC Solutions, empresa que vende soluções completas de ECM para todo o mercado corporativo, em especial o governo, cobrindo um escopo grande de digitalização, organização e guarda de documentos.

Com quatro anos de atuação no mercado de ECM – a empresa originou-se no mercado de outsourcing de impressão –, o diretor da CNC acompanha de perto a evolução do conceito no ambiente público, principalmente depois da experiência de parceria com os Correios. “O projeto, que envolvia volumes equivalentes a 1 milhão e documentos por dia, nos deu visibilidade e gerou a necessidade de desenvolver produtos para melhor atendimento desse tipo de consumidor”, diz o executivo, acrescentando que foi nesse contexto que a empresa implementou a sua fábrica de software.

O aquecimento que se observa na demanda de ECM por empresas e órgãos governamentais teve início no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na opinião de Tamane. “Esse órgão adquiriu  6 mil scanners de pequeno porte para serem distribuídos em praticamente todo o Brasil”, informa. A partir daí, ele lembra que praticamente todos os tribunais (STJ, STF, TRF, TCE, TCU, TSE, TRE, TST, TRT etc.), além de Correios, Serpro, Ministérios da Fazenda e Previdência, entre outros órgãos, licitaram tanto a aquisição de software e hardware quanto serviços de digitalização. “Antes dessa onda, ocorriam demandas pontuais, como as relativas ao Censo do ano 2000, realizado pelo IBGE, ocasião em que mais de 300 milhões de formulários foram digitalizados e processados com a tecnologia de OCR/ICR. A partir de 2006, no entanto, cresceu a demanda por soluções de GED/ECM”, informa o diretor.

Parceria desafiante

Na opinião de especialistas, as dimensões, grande volume e alto grau de complexidade de projetos públicos têm resultado em um acúmulo de experiência que pode  consolidar o setor governamental como agente importante para impulsionar e popularizar o conceito de ECM em todo o mercado. Para o atendimento de necessidades específicas  ou genéricas desse setor, estão sendo desenvolvidas novas tecnologias, enquanto outras são aprimoradas, com impactos positivos nos custos e nos prazos.

Por outro lado, há a percepção de que o segmento carece de amadurecimento no tocante à elaboração de editais. “Alguns são quase um ‘’copy and paste’ das especificações de algum fornecedor. Outros, são uma colcha de retalhos formada pelo melhor de cada um. Nenhum desses modelos pode ser considerado bom, porque o que deve ser levado em conta são as necessidades do negócio do usuário”, diz Tamane. Para ele, essas deficiências fazem parte do processo de amadurecimento do setor governamental. “É muito recente a contratação de soluções de GED/ECM para projetos de grande porte. Daí a importância de iniciativas para a troca de experiências na implantação de soluções em setores públicos, como o evento da Dataprev”, diz.

O mercado fornecedor de ECM está de acordo que a parceria com empresas públicas em projetos de ECM é desafiante, dados os grandes volumes envolvidos e a complexidade dos projetos, com diversos pontos de dificuldade. “Os fornecedores, de sua parte, devem  adequar sua estrutura, produtos e serviços para atender a esta demanda crescente por parte do governo. Não basta vender scanners”, afirma Tamane.

A forma das compras públicas de serviços e ferramentas de ECM varia muito. Dependendo  do órgão e das suas necessidades específicas, a demanda pode incluir compra de solução ou contração de serviços. A Receita Federal, por exemplo, comprou recentemente (está em fase de homologação) scanner com software embutido para geração de imagens e indexação de todos os processos em papel gerados de agora em diante, mas não comprou o serviço.  “Em outro caso recente, o STJ iniciou um processo de compra por meio de edital de contratação de serviços de digitalização e, após vários questionamentos e impugnações, foi decidida a compra de equipamentos (scanners e infra TI) e contratação de mão de obra via ONG para a operação do ambiente de digitalização”, informa o diretor da CNC.

Em sua opinião, o setor público deveria considerar a adoção de um modelo híbrido de aquisição de solução com contratação de serviços. Tal modelo contemplaria o fornecimento de software e scanners na modalidade de locação. A bilhetagem se daria por imagem gerada e o sistema seria operado pelo próprio usuário final. “Com isso, a solução teria mais flexibilidade para atender às mais variadas demandas e processos, adequando melhor o parque de scanners e especificações de software. Seria um modelo nos moldes do usado no  outsourcing de impressão”, diz Tamane. “Por que uma compra efetiva de scanners, em vez de locação por página/imagem gerada? indaga o executivo, acrescentando que o investimento inicial seria bem menor e o usuário evitaria problemas de sub ou superdimensionamentos.

Duas frentes

Na Oracle do Brasil, os especialistas em ECM distinguem hoje duas grandes frentes de oportunidades no governo brasileiro, no que se refere à  gestão de conteúdo e documentos. Geraldo Trigueiro, diretor-sênior de Vendas para a área de governo da fornecedora, diz que a primeira é fruto da necessidade do aumento de produtividade e  agilidade na comunicação com a sociedade. Envolve tendências como a que o mercado batizou de  Gov 2.0 – diz respeito à evolução do uso da tecnologia pelo governo, que não estaria mais focado apenas em colocar operações, informações e serviços ao alcance dos cidadãos, mas também no incremento das relações entre governo e sociedade, por meio de ferramentas de colaboração e integração com redes sociais como Orkut, Facebook e Twitter.

Órgãos com essa prioridade podem ser atendidos por soluções de colaboração e gestão de conteúdo com recursos avançados de grupos de trabalho, o que agiliza e aumenta a produtividade dos colaboradores, segundo Trigueiro. “Isso é feito ao mesmo tempo que se disponibiliza um canal direto de comunicação com a sociedade por meio da ouvidoria eletrônica, fóruns, blogs e wikis, entre outros”, diz o diretor da Oracle, ressaltando que essa oportunidade é uma tendência no governo de outros países.

A segunda frente de oportunidades para os fornecedores de soluções de ECM decorre da necessidade de redução do uso de papel, por questões de sustentabilidade e meio ambiente. Trigueiro salienta que tecnologias de BPM e ECM, aliadas à certificação digital, podem diminuir drasticamente o uso de papel para novos trâmites, além de transformar acervos físicos em eletrônicos. “Com a eliminação do papel, aceleram-se  os processos e, consequentemente, ganha-se mais segurança e controle”, diz o executivo. Por outro lado – ele salienta, um dos desafios que precisam ser superados para a transformação dos acervos físicos em eletrônicos é a adequação da legislação vigente. “Leis ainda exigem, por exemplo, a guarda física para alguns tipos de documentos”, lembra.

A Oracle do Brasil observa que as duas principais demandas no setor público referem-se à captura de acervos e à guarda, preservação e manutenção dos dados, tanto no meio físico quanto no eletrônico (records management). Nos últimos três anos, a fornecedora incrementou o seu portfólio adquirindo empresas do mercado de ECM e investiu na integração de suas soluções. Como resultado, a prateleira da multinacional ostenta ofertas que vão de capture/forms recognition, document management, BPM e records management até web content management, passando por information rights management e enterprise 2.0.

Comprando tudo

Na avaliação de Gilberto Lanzer, engenheiro de sistemas sênior para América Latina da EMC, especializada no armazenamento e gerenciamento de informação, o setor público brasileiro demonstra interesse por todas as tecnologias relacionadas com captura, guarda, preservação e manutenção de informações e documentos. “Em geral, buscam por todos esses itens porque a maioria dos órgãos ainda se encontra em um estágio no qual o papel tem forte presença”, diz.

O executivo considera que guarda, preservação e manutenção são agora orientados a informações digitais, seja pela digitalização do histórico, seja pela geração do documento nativo já no formato digital. “Queremos ressaltar que a preocupação agora passa a ser com investimentos em equipamentos de armazenamento, e não mais tanto em armazéns”, diz.

A expansão da participação do setor público nas vendas das empresas fornecedoras de soluções também revela o aquecimento do setor. Um exemplo é a Softcorp, provedora de soluções integradas para infraestrutura de TI. Na virada para 2010, a empresa comemorou um salto expressivo nas vendas da sua divisão focada em setor público, que já conta com nove vendedores dedicados e um portfólio recheado de cases com órgãos públicos federais, estaduais e municipais. Para dar uma ideia da expansão, Rosana Pereira, gerente nacional para o segmento governo, informa que em 2007 a participação do setor no faturamento da empresa não passava de 5%. No terceiro trimestre de 2009, essa taxa já havia saltado para 33%. [/private]

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