As ‘novas’ Cidades Digitais

*Por Roberto Carlos Mayer

Faz quase uma década que os projetos pioneiros de aplicação da Tecnologia da Informação, e em particular da Internet, começaram a ser criados para comunidades urbanas no país que não foram beneficiadas pelo momento gerado pela Internet comercial, em função de seu limitado tamanho em população ou produção econômica.

Para os leitores assíduos desta coluna, talvez haja uma ‘vaga lembrança’ de um artigo de minha autoria, cujo título era “Desilusão Wi-Fi”, publicado em junho de 2006. Nele descrevi uma visita feita no começo daquele ano à cidade paulista de Sud Menucci.

Muitos anos e governos se passaram, mas ainda não fomos capazes de integrar comunidades desse porte na era digital. O Programa Nacional de Banda Larga, criado antes da campanha que levou o presidente Lula a sua reeleição, continua se arrastando na sua implementação.

A implementação de Cidades Digitais certamente é uma opção política. Não só é verdade que o acesso ao conhecimento por meio da Internet é uma das formas de superar a brecha educacional e econômica nas pequenas cidades, como o uso das TICs aumenta a eficiência do uso dos recursos públicos (assim como bem sabemos que ocorre nas empresas), melhora a qualidade do atendimento ao cidadão (tanto on-line quanto presencial), assim como aumenta a transparência governamental. Finalmente, os políticos esperam que aumente a participaçao dos cidadãos na política, em tempos que estes apresentam baixos índices de confiança nos políticos e na política.

Dados gerados pela CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina, das Nações Unidas) definem a “brecha digital” com perfeição. Se compararmos o custo de uma conexão de 1 Mbps com a Internet com a renda média da população economicamente ativa, nos países desenvolvidos esse valor corresponde tipicamente a menos de um por cento (p.ex. na Espanha meio por cento da renda média mensal dos trabalhadores permite contratar uma conexão de 1 Mbps).

No Brasil, assim como no México e na Argentina, essa proporção alcança a valores que oscilam entre quatro e cinco por cento. E nos países mais pobres da América Latina, esse percentual é superior a dez por cento.

Outro aspecto importante é o conceito de Cidade Digital: definido já em 2002, ele inclui o uso geral dos recursos das TICs por todos os atores presentes nas cidades: governos, empresas, funcionários e cidadãos. Ou seja, é imediato deduzir que Cidade Digital é um conceito diferente do e-Gov (Governo Eletrônico).

Assim, o recém lançado programa piloto de Cidades Digitais, por parte do Governo Federal (anunciado em 28 de março em cerimônia no Ministério das Comunicações), causa tremenda estranheza: seu objetivo principal é interligar os órgãos municipais e os equipamentos públicos locais em oitenta municípios com menos de 50 mil habitantes, a serem selecionados pelo Ministério até o mês de julho (ao custo médio de quinhentos mil reais por cidade).

A instalação de pontos de acesso gratuito à Internet em pontos de grande circulação da cidadania local, de forma limitada, e o fornecimento de softwares aplicativos de gestão pública (vindos do Portal de Software Público mantido pelo Governo como software livre) completam a descrição resumida do projeto. A implementação e operação destes aplicativos está prevista para ser conduzida pelo funcionalismo municipal (a disponibilidade destes é um dos critérios de seleção das cidades), com o objetivo explícito de evitar o outsourcing dos serviços.

Este programa de Cidades Digitais foi concebido pelo Ministério em parceria com Anatel, Embratel e algumas instituições acadêmicas federais. A total ausência de participação da inicativa privada na concepção do projeto talvez seja uma das causas para a visão tão parcial do conceito de Cidades Digitais. Apresentado como um programa piloto, esperamos que esteja a tempo de fazer as necessárias correções.

* Roberto Carlos Mayer é vice-presidente de Relações Públicas da Assespro Nacional e diretor da MBI e presidente da ALETI (Federação Ibero – Americana de TI).

 

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