*Por Cezar Taurion
A transformação dos negócios pela revolução digital deixou de ser uma tendência e já é uma realidade. O desafio para que uma empresa criada no mundo analógico se desloque para o digital é enfrentar e vencer diversas barreiras, que vão do seu mindset e cultura até a mudanças, muitas vezes, radicais em seus modelos de negócio, organização e processos.
O primeiro passo é avaliar quão digital ou analógica está a empresa, seus ativos e produtos. Avalie quais são os mais importantes hoje e quão intangíveis (ou digitáveis) esses ativos e produtos são, e quanto de esforço (tempo e investimento) está sendo feito para o seu deslocamento do tangível para o intangível.
Um exemplo comum, mas aplicável, é a diferença nos modelos de negócio de hospedagem, entre uma rede hoteleira tradicional como Hyatt e uma digital, como Airbnb. Esta última é valorizada pelo seu ativo intangível, a capacidade de criar uma rede de conexões entre pessoas que querem usar um local e as que se dispõem a alugá-los.
A primeira barreira a ser ultrapassada é o modelo mental da organização. Uma empresa tradicional tem o mindset mais fechado, colocando-se no centro e vendo seus clientes como consumidores de seus produtos. Não os imaginam como co-criadores. Mantém uma organização em silos, muitas vezes com hierarquia rígida e modelos de governança de comando e controle. Seu corpo executivo olha a tecnologia digital apenas como suporte às suas operações. A área de TI geralmente está no segundo ou terceiro escalão da organização e o CIO praticamente não tem acesso ao CEO e nem faz parte do board. O corpo executivo define o budget de TI e depois solicita ao CIO que ele faça seu plano dentro do budget alocado. Inovação é relegada a um segundo plano e novas ideias são quase sempre suprimidas pela hierarquia. Um modelo de negócio disruptivo é visto como heresia.
Um sinal de quão fechada é uma empresa é olhar sua declaração de missão: se estiver muito centrada em uma determinada indústria ou produto é claramente, uma empresa fechada. Temos aí um longo e árduo trabalho de transformação.
No outro extremo podemos ver uma empresa inovadora por natureza, Google, exemplificada pelo comunicado de criação da Alphabet. Destaco este trecho: “We’ve long believed that over time companies tend to get comfortable doing the same thing, just making incremental changes. But in the technology industry, where revolutionary ideas drive the next big growth areas, you need to be a bit uncomfortable to stay relevant”.
Uma vez que a barreira do modelo mental começa a ser quebrada, é necessário definir uma estratégia coerente para o mudo digital. O mundo dos negócios está cheio de exemplos de empresas robustas que não enxergaram ou mesmo enxergando, não reagiram a tempo de evitar mudanças no cenário de negócios que simplesmente a engoliram. A Kodak é um exemplo. A empresa identificou claramente a transição para tecnologia digital (ela inventou a câmera digital!), mas desenhou uma estratégia de manter seu bem sucedido negócio tradicional, tentando retardar ao máximo a transição do mercado. Infelizmente, o mercado não esperou por ela...
A transição para o mundo digital demanda que a empresa aloque em sua estratégia, investimentos e tempo para ações concretas e inadiáveis nesta direção. De maneira geral as empresas mantêm seus orçamentos estratégicos na manutenção dos modelos atuais, com muito pouco investimento nas transições para novos modelos. É um risco à sua sobrevivência em uma era de rupturas. Sugiro a leitura de um estudo bem interessante da McKinsey, “How to put your money where your strategy is”, que mostra que a maioria das empresas aloca os mesmos recursos aos mesmos negócios, ano após ano, dificultando em muito o redesenho estratégico da organização e qualquer mudança de rumo. Mas não é impossível. Dois exemplos de empresas que avançaram bem nesta direção são a Nike e a Starbucks. Vale a pena conhecer um pouco do que elas estão fazendo.
Mas, além da estratégia, para manter o ritmo é fundamental que a liderança da corporação esteja engajada com a transformação digital. Sem comprometimento da alta direção, nenhuma estratégia digital é proposta e muito menos colocada em prática. O líder do mundo digital tem que pensar diferente do modelo de controle e de organização top-down para ser mais aberto, exercendo papel de facilitador e não de comandante supremo. Sugiro a leitura de um livro muito instigante, chamado “Team of Teams: New Rules of Engagement for a Complex World”.
Um estudo da Deloitte, “Exploring Strategic Risk: 300 executives around the world say their view of strategic risk is changing” comprova que a transformação dos modelos de negócio é inevitável. Por exemplo, 53% dos executivos pesquisados disseram que tecnologias emergentes têm o poder de criar rupturas em seus modelos de negócio. E 91% afirmaram que as novas tecnologias digitais mudaram ou vão mudar suas estratégias de negócio. A questão é como fazer sua empresa se mover na velocidade necessária para sobreviver ou melhor, ganhar espaço nesta difícil luta no novo cenário de negócios.
*Cezar Taurion é CEO da Litteris Consulting, autor de seis livros sobre Open Source, Inovação, Cloud Computing e Big Data