O SharePoint é Pop

O canivete suíço da Microsoft ganha mais recursos com a edição 2010 e promete democratizar a gestão de conteúdo corporativo. Mas analistas alertam para a necessidade de planejamento e governança.

[private] Espinha dorsal da plataforma de colaboração da Microsoft, o SharePoint tem gerado bilhões de dólares em receita para a multinacional de software, ao mesmo tempo que fortalece sua musculatura no cenário de gestão de conteúdo corporativo (ECM). Pesquisa do Gartner junto a mais de 300 empresas de vários portes e setores dá ideia da receptividade da solução no mundo corporativo. De acordo com o instituto, 40% das companhias que planejam implementar soluções de gestão de conteúdo dentro de 12 a 18 meses consideram a fornecedora americana a mais bem posicionada para atender as suas necessidades básicas. Com a recente chegada da versão 2010, que aperfeiçoa e incorpora novos recursos, a expectativa de muitos analistas é de que o SharePoint torne mais factível a implementação do conceito de ECM em sua plenitude, ou seja, total integração de métodos e ferramentas de captura, gestão e distribuição de informações estruturadas e não estruturadas nas organizações - um cenário atualmente mais futurista do que real, na opinião de muitos.

O que não falta é terreno para que o SharePoint dispare e mantenha o ritmo agressivo de massificação (a solução cresce acima de dois dígitos anualmente, segundo a Microsoft). De acordo com Karen Shegda, vice-presidente de pesquisas do Gartner Research, levantamentos feitos nas conferências do instituto de pesquisa, desde 2007, revelam que 50% ou mais das empresas já usam SharePoint de alguma forma. “Os usuários já percebem o valor obtido com as capacidades do produto”, diz a analista. Ela  acredita que as promessas da edição 2010, que incluem melhorias em escalabilidade, em gestão de conteúdo e em governança, poderão motivar uma onda de upgrades, tanto entre usuários do Windows SharePoint Services (ou WSS, versão oferecida gratuitamente a quem adquire licença do Windows Server) quanto do Microsoft Office SharePoint Server 2007 (ou MOSS, obtido mediante compra de licença). “O prazo de upgrade vai variar de acordo com as necessidades e a versão ao risco de cada negócio”, assinala. 

A cautela, entretanto, permanece como palavra-chave nestes tempos de evolução tecnológica acelerada, em que executivos de TI sofrem mais pressão para adoção de novidades, que são objeto de grande repercussão mercadológica. A analista do Gartner ressalta que o surgimento do SharePoint e de outras ferramentas similares para colaboração e gestão de conteúdo ad hoc acelerou a adoção de tecnologias de gerenciamento de conteúdo (CM). “Ocorre que essa adoção antecipou-se às  essenciais análises prévias de necessidade e de mudanças de processo”, alerta Shegda. Para ela, as empresas precisam ter um forte business case, priorizar as capacidades funcionais e focar a qualidade da informação e a governança do SharePoint. “A menos que haja necessidades urgentes, o Gartner recomenda esperar até o  lançamento do primeiro service pack para o SharePoint 2010”,  recomenda.

Evolução sem ruptura

Na Microsoft Brasil, a orientação da porta-voz do Gartner é contestada com vigor pelo gerente Marketing e Negócios da Microsoft Brasil, Eduardo Campos. “Trata-se de visão do passado, quando a engenharia de produtos era menos evoluída. Além disso, o SharePoint está no mercado há algum tempo, a versão on premise ficou em processo beta por longo período e as mudanças propostas na nova versão não implicam ruptura, e sim evolução de funcionalidades”, diz o gerente. Ele lembra ainda que a versão on-line 2007, para intranet, está disponível em mais de 40 países há quase dois anos.

De acordo com Campos, a expectativa de adoção da ferramenta é altamente positiva, considerando que os sistemas de produtividade da Microsoft formam no País uma base instalada imensa e apta a migrar para a versão 2010. Os aperfeiçoamentos incorporados à tecnologia também configuram um forte apelo, com potencial de impulsionar o conceito de ECM nas empresas, acredita ele. “Acima de tudo, o SharePoint 2010 democratiza o acesso à gestão de conteúdo e colaboração, da mesma forma que a versão 2007 democratizou o Business Intelligence”, conclui.

Descrito como “canivete suíço” pelos profissionais da multinacional, o SharePoint propõe-se à criação de websites para compartilhar informações, gerenciar documentos da origem ao fim e publicar relatórios que auxiliem a tomada de decisão. Suas capacidades estão divididas em seis grupos (veja box) que combinam recursos diversos, como gerenciamento tradicional de conteúdo, tecnologia avançada de pesquisa e ferramentas sociais.  De acordo com a fornecedora, essa combinação facilita muito o ECM, permitindo rápida configuração de políticas de compliance, interface similar à do Microsoft Office e, como consequência, facilidade para encontrar, compartilhar e usar as informações. Campos reconhece que há grandes desafios por trás do ECM de uma forma geral, mas considera que o SharePoint colabora para a resolução dos principais. “Uma barreira importante para ECM é a resistência do usuário final em utilizar ferramentas de gerenciamento de conteúdo. Nesse caso, a integração do SharePoint com o Office, sendo este último amplamente conhecido, simplifica o uso e reduz amplamente a curva de adoção”. Outra barreira, segundo o executivo, é a limitada cobertura e escopo de conteúdo de muitas ferramentas do mercado. “O SharePoint cobre de planilhas a documentos, passando por e-mails, mensagens instantâneas, redes sociais e outros dados, estruturados ou não. E a pesquisa desses dados ganhou valor adicional com o uso da tecnologia FAST”, afirma.

Outro percalço no caminho do ECM é a dificuldade de integração de múltiplas soluções. “O SharePoint consegue se integrar com uma série de soluções de mercado, como ERPs e CRMs, trazendo dados estruturados e, no caso da edição 2010, se integrando com redes sociais. A plataforma única elimina o desafio de múltiplas soluções pontuais com utilidades limitadas”,observa Campos.

O gerente da Microsoft destaca, ainda, como vantagem, o custo de aquisição do SharePoint, que considera altamente competitivo. Para ilustrar, cita a versão de  nuvem, por meio da qual empresas de qualquer porte podem obter, em 48 horas, portal de intranet, colaboração, gestão de conteúdo, correio eletrônico e comunicação unificada a um custo a partir de 5 dólares mensais por usuário. “A partir daí, o céu é o limite. Clientes maiores, com necessidades de portal SharePoint voltado para a internet precisam fazer planejamento e adquirir solução mais sofisticada”, argumenta, comparando o SharePoint a um brinquedo lego, cujas peças são adquiridas conforme a demanda do negócio.

Investimentos tardios

Anderson Sabino, gerente-geral de infraestrutura e information worker da InfoServer, que atua com SharePoint desde 2001, observa no seu dia a dia um crescente interesse da clientela corporativa pela solução da Microsoft. “Até pouco tempo, nós levávamos a solução ao cliente. Agora, somos procurados, inclusive por pequenos negócios que buscam ajuda no primeiro passo, ou seja, implantar, customizar e parametrizar a versão WSS, passando a usufruir de recursos básicos como versionamento de documentos, repositório e portal”, informa.

Entre os clientes da InfoServer, dois já experimentam a edição 2010  – um banco e uma empresa de varejo. O setor financeiro, a propósito, está entre os que puxam a tendência, usufruindo da boa evolução da ferramenta na área. “A edição 2010 oferece inúmeros templates para o setor bancário, como repositório de imagem com controle de versão, trabalho colaborativo, templates para realização de enquetes, fóruns, blogs e wikis, formulários, listas e calendários, além de mecanismos de busca por palavra-chave dentro ou fora da família Office”, relaciona o executivo. Ele destaca ainda a facilidade de customização e de criação de ciclos de aprovação (workflow) como um dos pontos altos do sistema.

Mesmo otimista com o aquecimento da demanda, o gerente-geral considera que há uma percepção tardia das empresas quanto à necessidade de investimentos em gestão de documentos. “O SharePoint contribui muito para mudar esse quadro, por se tratar de tecnologia fácil de ser usada, tanto do ponto de vista do usuário final quanto do profissional de TI.” Mas restringir a adoção aos recursos da versão free, como guarda de histórico e versionamento, é insuficiente sob o ponto de vista de gestão de conteúdo empresarial. “Quem precisa ir além, acrescentando, por exemplo, fluxo de aprovação automatizado, precisa adquirir licenças”, exemplifica Sabino.

Afora isso, o executivo admite que, embora com preços competitivos, a solução da Microsoft enfrenta forte concorrência de ferramentas que já haviam estabelecido em muitas empresas a cultura de processos colaborativos, versionamento, blog, wiki, workflow, etc.

Projeto pioneiro

Com o conhecimento de quem implementou no Brasil o primeiro case com SharePoint 2010 e testou o produto por cerca de um ano antes do lançamento oficial,  a Conectt, fornecedora de serviços focada na plataforma Microsoft, ressalta, entre as principais melhorias da solução, a fácil customização para adaptar a ferramenta às demandas de cada negócio. “Tudo pode ser feito de forma nativa, no âmbito da ferramenta SharePoint Designer, sem necessidade de escrever código”, declara o diretor de tecnologia da Conectt, Sérgio Larentis. Ele também destaca como característica relevante da nova edição a interface gráfica baseada na barra de ferramenta Ribbon, a mesma usada na linha Office da Microsoft. “As melhorias são perceptíveis para quem já usava a versão 2007. Com o Ribbon, por exemplo, posso editar um documento word on-line dentro do SharePoint, ou seja, não preciso mais abrir o processador de texto. Além disso, a ferramenta de busca ficou ainda melhor do que já era”, ilustra.

Na base de clientes da Conectt já há interesse de migração, em especial entre companhias cujo contrato de licença da versão 2007 prevê o direito automático de evoluir para  2010. Esse passo adiante, entretanto, depende muito do uso que essas empresas já fazem da solução. “Ainda há quem use SharePoint apenas como repositório de documentos e considera que a versão 2007 atende perfeitamente às suas necessidades. Mas muitos já enxergam a migração como oportunidade de incorporar benefícios que incluem agilidade de desenvolvimentos e de lançamentos, além de economia de custos”, diz.

Criticamente, Larentis reconhece que a velocidade de adoção tanto do SharePoint quanto do próprio conceito de ECM poderia ser maior, não fossem os traumas que algumas empresas experimentaram na implementação da edição de 2003. “Isso exigiu muito trabalho de consultorias e da própria Microsoft para demonstrar que a versão 2007 havia evoluído”, resume. Ele admite que pode ter havido um pouco de hype (exagero) no lançamento da versão 2007, que teria sido apresentada como um grande ECM. “Mas hoje há casos de sucesso, sim, com empresas usando a ferramenta como ECM, com fluxo de aprovação para conteúdo, catalogação por meio de alguma taxonomia, subdivisão de sites por área, governança, tudo funcionando com sucesso”, declara.

Mas projetos bem-sucedidos pressupõem análise prévia sobre maturidade e eventuais gaps da empresa usuária.  “Primeiro, a organização tem de conhecer bem suas necessidades e ver se é o SharePoint que vai atendê-las. Para quem já tem o direito de migração, pesa o fato de que a economia de TCO (custo total de propriedade) vai ser muito grande”, esclarece Larentis.  Cumpridas as etapas prévias, o sucesso do projeto é garantido, assegura.  Conforme Larentis, um bom sinal de que a adoção do SharePoint amadureceu muito no País nos últimos anos é a diminuição de empresas que contratam a Conectt para “consertar” implementações malsucedidas. A relação de confiança entre fornecedor e cliente também faz a diferença para o resultado de um projeto, conforme Larentis. “De nada adianta instalar uma plataforma tão completa e às vezes complexa, como o SharePoint, e depois deixar o cliente à própria sorte”, alerta.

Adaptação a processos colaborativos

Todo o aprimoramento das funcionalidades de gestão incorporadas a tecnologias como o SharePoint não muda o fato de que, até aqui, a ideia de gerenciar e controlar todo o conteúdo da empresa, inclusive vídeo e áudio, ainda não se concretizou nas empresas. Ronei Silva, sócio-diretor da TGT Consult, é um dos que têm essa visão crítica em relação ao ECM, avaliando que os aprimoramentos têm sido insuficientes. “As empresas devem rever seus processos, e as soluções de gestão de documentos devem acompanhar o novo conceito de colaboração. As companhias terão de se adaptar para possuírem processos colaborativos, e não somente processos baseados em fluxo de documentos”, diz. Na avaliação de Silva, são  poucas no Brasil as empresas que têm um processo estruturado e sistematizado de gestão de documentos. “As iniciativas muitas vezes são isoladas e as soluções são mais utilizadas como repositório de documentos do que propriamente gestão de documentos.”

David Kato, sócio da consultoria TerraForum, parceira da Microsoft que presta serviços de TI e gestão, concorda que o conceito de ECM ainda não se efetivou da forma como foi lançado, mas acrescenta que tecnologias como o SharePoint já contribuem fortemente para a mudança desse quadro, embora o seu uso efetivo ainda precise ser mais amadurecido. “Falta também, nas empresas, um foco nas pessoas, item mais importante na implementação de qualquer projeto”, avalia. Em seu dia a dia, Kato testemunha que as empresas têm adotado muito o SharePoint nos últimos dois anos, na esteira da popularização da Web 2.0. “A plataforma consolida-se fortemente para suportar a produtividade das pessoas e o relacionamento entre os diversos públicos das empresas”, afirma.

As promessas do SharePoint Server 2010 (grupos de capacidades)

Sites - infraestrutura única para prover capacidades de portal e colaboração por meio de sites de internet, intranet e extranet;

Pesquisas - habilidade de encontrar conteúdo, informações e pessoas combinando plataforma integrada e de fácil gerenciamento com tecnologia sofisticada de busca corporativa;

Comunidades - colaboração em grupos, gerando compartilhamento de   conhecimentos e ideias;

Insights - acesso e interação com informações oriundas de fontes estruturadas e não estruturadas de dados;

Conteúdo - usuários podem participar de um ciclo de vida de gerenciamento de conteúdo regulado e em conformidade. Equilíbrio na experiência do usuário com a política e os processos da empresa;

Composites - usuários podem criar suas próprias soluções sem código, on premises ou na nuvem, por meio de conjunto de blocos de construção, ferramentas e recursos de auto-serviço. Profissionais de TI contam com infraestrutura escalável unificada e opções flexíveis de desenvolvimento, e desenvolvedores dispõem de plataforma de desenvolvimento que agiliza a construção de soluções e a resposta às  necessidades do negócio.

Trilha para o sucesso

  • Planeje a implementação do SharePoint considerando que, mesmo que comece pequeno, ele provavelmente se tornará um projeto de toda a empresa;
  • Forme um comitê gestor com representantes de TI, de gerenciamento de registros, de compliance e de departamentos de linhas de negócios;
  • Se não há na empresa expertise em gerenciamento de informações, considere ajuda de consultorias independentes;
  • Crie uma estratégia que defina onde o SharePoint será ou não será usado, particularmente em relação a outros sistemas de ECM. Tenha essa estratégia aprovada no mais alto nível da companhia e comunique o pessoal sobre a mesma;
  • Crie estrutura de governança antes da entrada em operação;
  • Conte com o auxílio de fornecedores parceiros para avaliar possíveis deficiências, especialmente nas áreas de BPM, gerenciamento de registros, taxonomia, captura, segurança, Enterprise 2.0 e armazenamento. Entenda como a versão 2010 afetará tudo isso;
  • Não tente colocar em operação todos os recursos ao mesmo tempo;
  • Mantenha registro cuidadoso de personalizações feitas no sistema de 2007 e avalie cada uma antes do upgrade para o 2010. Tenha em mente a nova funcionalidade de gerenciamento de metadados e taxonomia e tente acordo de padronização em toda a empresa;
  • Como em todo projeto, engaje o pessoal e gerencie a mudança. Não assuma que a interface é interativa;
  • Providencie treinamento específico. [/private]

Share This Post

Post Comment