Privacidade na era da informação

Um mundo sem informática e sem internet pertence a um passado cada vez mais distante. São indiscutíveis os avanços na ciência e consequentemente na qualidade de vida proporcionados pelos computadores. Longevidade, tratamento de doenças outrora incuráveis, melhor qualidade dos alimentos, transportes, comércio e serviços. Enfim, a informática definitivamente veio para melhorar nossa vida. 

[private] Mas – e sempre tem o tal – algumas coisas decididamente não andam bem, e a mais significativa delas, ironicamente, é justamente o excesso de informação atrelado à perda de privacidade. Arriscaria afirmar inclusive, que essa é a maior “contraindicação” destes tempos. Ela atinge a todos nós, desde aqueles que nunca puseram seus dedos num teclado, até os envolvidos nos negócios mais promissores e rentáveis do momento, como por exemplo, o Google e o Facebook.

A overdose de informações trouxe efeitos colaterais nefastos, porque além de nos atingir em nosso sagrado e constitucional direito à intimidade, pode afetar também nossa vida profissional.

Alguns acontecimentos recentes indicam que a luz amarela já acendeu. O Google teve de se retratar publicamente por captar informações de redes privadas na Alemanha. Seu serviço, como sabemos, é tão eficiente que nada escapa. Já chegamos à conclusão de que o banco de dados deles sobre nós, é maior do que o nosso próprio! Coisas que nem lembramos aparecem quando digitamos nosso nome, isso sem falar nas quais nem sabíamos.

Já temos notícias de listas de clientes de bancos afetos a questionar seus juros, taxas e contratos. Isso sem falar das listas de maus pagadores, esta já oficializada, e a dos “bons” ainda em fase de criação. Temos também a dos trabalhadores frequentemente envolvidos em reclamações trabalhistas e a dos carros batidos na mão de lojistas. Todas sendo devidamente usadas por qualquer um munido de um pouco de disposição e um PC.

Causa arrepios saber que o banco de dados da Receita Federal já vazou, que as operadoras de cartões sabem todos os nossos hábitos de consumo, viagens, etc. Que o cruzamento e tratamento desses dados já estão sendo usados para analisar nosso perfil e oferecer produtos que nos interessam.

Temos um caso enigmático nos EUA onde uma pessoa quebrou o anonimato de um doador de banco de sêmen, fazendo busca e dados de DNA, conseguiu descobrir seu pai biológico. Esse episódio desencadeou uma onda de protesto de doadores que imaginavam estar livres de ser identificados. Podemos imaginar as implicações jurídicas dessa descoberta.

Como não poderia deixar de ser, as informações em processos judiciais, notariais e registrais, também começam a aparecer e incomodar. O Conselho Nacional de Justiça acaba de convocar mais uma audiência pública, pois o princípio da publicidade processual, pela primeira vez na história passa a ser questionado.

Tabeliães e registradores, com seus atos públicos também hesitam. Será que a publicidade de escrituras e registros, a toque de teclados, não vai conspirar seriamente contra a privacidade e principalmente a segurança de nossos usuários?

Nos registros públicos a publicidade é ontológica, pois constitui o direito pela publicidade, sendo portanto essencial ao ato. Atualmente, qualquer um pode ir ao balcão e saber quantos imóveis determinada pessoa possui, sem mesmo se identificar. Com a disponibilização deste fabuloso banco de dados pela internet - que já é uma realidade no estado de São Paulo – e brevemente será no País inteiro, a consulta ficará simples e barata.

Na Espanha, a polêmica já está instalada há mais tempo, propôs-se que somente aqueles que se identificarem e provarem ter “legítimo interesse” poderão ter acesso ao arquivo imobiliário e societário.

Por essas e outras, queremos crer que há de se repensar todo o sistema, sob o novo horizonte desbravado pela internet. É preciso estabelecer limites para a exposição pública de dados pessoais, coletados desde portarias de prédios até hospitais.

Como diz aquele personagem famoso... Nunca antes na história se viu algo assim... Dizem que bits são indóceis e não se pode aprisioná-los, o que até o presente momento nos parece a mais pura realidade. [/private]

 

* Texto escrito por Angelo Volpi , Tabelião em Curitiba, escritor, articulista e consultor e Cinthia de A. Freitas, Professora Titular da PUCPR e Doutora em Informática.

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