Por Luís Mário Luchetta*
No dia 20 de agosto de 2012, o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), fez o anúncio do programa “TI Maior”. Informações sobre o programa foram divulgadas pela imprensa, com anterioridade, por iniciativa do próprio Ministério, incluindo objetivos aparentemente grandiosos.
A primeira meta divulgada é dobrar o faturamento do Setor de TI nacional até o ano de 2020. Uma conta simples revela que esse crescimento de 100%, projetado para oito anos, equivale a uma taxa de crescimento anual média de 9%. O crescimento do Setor nos últimos vinte anos nunca apresentou uma taxa de crescimento inferior a essa, mesmo em anos de crise econômica. Como não é possível acreditarmos que o objetivo real do Governo seja REDUZIR o ritmo de crescimento do Setor, essa meta nos coloca em alerta: por que o governo teria optado deliberadamente por uma meta tão conservadora? Recusamos-nos a acreditar estarmos apenas diante de um instrumento de marketing político.
A vontade do Governo, já manifestada e repercutida na imprensa regional, de realizar lançamentos do programa TI Maior em diversas capitais do país, e posteriormente realizar eventos para o lançamento de cada ação que seja parte do programa, sinaliza muito claramente a intenção de dar ampla visibilidade política ao Plano.
Outro aspecto numérico diz respeito ao volume de investimentos projetados pelo governo em função do Plano. Circularam números de até R$ 700 milhões, a serem aplicados ao longo de quatro ou cinco anos, mas o número final ficou abaixo disso. De qualquer forma, esse investimento representa um avanço significativo em relação aos investimentos atuais. Entretanto, esse número é pequeno se comparado com os investimentos feitos em outros setores da economia, com contribuição semelhante ao PIB (p.ex. cada uma das renúncias fiscais no setor automotivo, para estimular o consumo nos últimos anos, foi estimada pelo governo em R$ 1 bilhão por ano). Se comparado com o faturamento do próprio setor de TI, o investimento anunciado corresponde a algo próximo a 0,1%.
A grande meta estratégica do plano é favorecer o desenvolvimento de “Tecnologia Nacional”, chamada apenas de produção local na versão final do plano. A Constituição Federal trata isonomicamente o capital investido, independentemente da sua origem (brasileira ou estrangeira). O plano “TI Maior” pretende regulamentar a Lei 12.349/2010 (que autoriza a preferência por produtos nacionais nas licitações públicas para valores apresentados que sejam até vinte e cinco por cento maiores que as propostas vindas do Exterior), para que ela também possa ser aplicada às compras governamentais de Software e Serviços de TI. Assim, faz-se necessário introduzir uma sistemática que permita atestar o que seja “Tecnologia Nacional” (ou local) de forma objetiva.
É preciso observar que, diante de um programa que pretende transformar o cenário nacional do Setor, o plano não inclui nenhuma proposta de Lei nova. Além de gerar possíveis conflitos com dispositivos legais anteriores (já que não há a famosa ‘revogação de dispositivos contrários’), esse ‘vácuo legal’ se presta a várias interpretações negativas. Será que não há no Governo uma visão maior? Trata-se de uma admissão implícita da incapacidade de aprovar novas Leis no Congresso? Ou será que o Governo acredita que o marco legal para o Setor já está completo? Finalmente, é preciso lembrar que há vários setores da economia, considerados estratégicos (p.ex. a imprensa e o setor aéreo), onde há Leis específicas que regulam a participação de capitais estrangeiros no mercado nacional.
Retomando o processo de certificação de “Tecnologia Nacional”, sua necessidade resulta do modelo proposto. A proposta do Governo, baseada nas normas ISO 1550x (que trata do processo de desenvolvimento de software) está contida num extenso documento elaborado pelo CTI – o Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer, uma unidade de pesquisa do próprio Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
Nesse documento se propõe, por meio de uma única visita de um dia às instalações das empresas, medir o grau de competências locais nas áreas de desenvolvimento de tecnologia, gestão da tecnologia, gestão dos negócios, de parcerias e alianças, além da gestão de pessoas, processos e conhecimento.
Fatores como velocidade de implementação, custo gerado para as empresas candidatas ao benefício, disponibilidade de avaliadores qualificados e em quantidade suficiente, ainda precisam de uma avaliação mais aprofundada. Esta opinião é reforçada pelo fato de o próprio Governo propor que a metodologia proposta seja alvo de Consulta Pública, incluindo Audiências Públicas nos moldes das que são utilizadas para as normas desenvolvidas pelas Agências Reguladoras. Entendemos que o desenvolvimento de Software e Serviços de TI não é uma atividade de toda a sociedade (como acontece com os serviços regulados pelas Agências), mas de um Setor específico. Portanto, embora a princípio sejamos favoráveis a qualquer discussão pública, a estratégia de uso de Consulta Pública é equivocada do nosso ponto de vista.
Já há outros modelos de estímulo à produção local em uso no setor de TI no país: o Processo Produtivo Básico (conhecido como PPB) isenta produtos de hardware de alguns impostos, desde que algumas etapas do processo de fabricação ocorram no país. Chamamos a atenção para o fato de que dessa forma se beneficia não apenas as vendas para o governo, mas para toda a sociedade. O grau atual de penetração de computadores na sociedade brasileira (incluindo governo, empresas, escolas, residências, etc.) só foi possível graças à redução de preços resultante dessas isenções, amplamente recuperadas em arrecadação pelo crescimento do mercado.
O Plano TI Maior inclui também a vontade do Governo em atrair empresas estrangeiras para desenvolver tecnologia no país. O déficit de recursos humanos no Setor de TI é um fenômeno global e incontestável, que afeta o Brasil de forma pioneira (dada a maturidade do Setor no país) e crescente. Ao atrair mais empresas para o mercado nacional, a disputa pelos recursos humanos disponíveis se acirrará, com prejuízos para todos os envolvidos. A chegada de novos entrantes com benefícios ou subsídios deveria passar pela prestação de contrapartidas para o país. Poderia exigir-se a formação de novos recursos humanos pelos recém chegados, ou o governo poderia propor a criação de cadeias de fornecimento com as empresas já existentes, com as devidas mudanças no marco legal atual.
Outros aspectos do plano incluem a criação de “ecossistemas digitais”, incentivando o setor privado a usar seu poder de compra para a geração de aglomerados de empresas locais capazes de atender, no todo ou em parte, as demandas de áreas de excelência, como petróleo e gás, aeroespacial, defesa e segurança cibernética. Entretanto, programas com esse perfil já existem, e o volume de recursos proposto não parece suficiente para gerar mudanças profundas nesse cenário.
Para finalizar, é necessário avaliar a governança do plano “TI Maior”. O uso do modelo de Consulta Pública é inovador, porém ele é aplicado apenas ao processo de certificação de tecnologia nacional. Se há disposição para o diálogo, por que o próprio plano não foi gerado com o envolvimento da sociedade?
Mais ainda, ao longo do processo de gestação do programa, cujos trabalhos se iniciaram em 2011, as Entidades representativas do Setor de TI só foram convocadas pelo Governo na reta final. Além da Assespro ter apresentado doze contribuições ao plano, que não foram aproveitadas, as Entidades propuseram a criação de um Comitê Gestor do plano, para acompanhar a sua implementação. Esta proposta, também foi ignorada pelo Governo.
Outro conjunto de preocupações que surge em função do plano “TI Maior” diz respeito a como se dará a gestão dos conflitos gerados com as práticas e portarias ministeriais em vigor, além dos projetos de Lei em tramitação no Congresso, que dão preferência ao software de código aberto. Ainda não há respostas para questões como estas: o plano “TI Maior” representa uma mudança de posição do Governo em relação ao Software Livre, passando a privilegiar o conceito de Software Nacional no lugar dele? Ou os dois privilégios serão concomitantes? Isto poderia levar as empresas públicas, que desenvolvem software de código aberto a uma posição de concorrência desleal com o setor privado.
Concluímos então que o grande mérito do programa é conscientizar amplamente a sociedade brasileira sobre a importância que o Setor alcançou. Quanto às medidas propostas, acreditamos firmemente que ainda há espaço para muitas melhorias. E torcemos para que o plano de fato seja implementado: seria extremamente prejudicial à imagem global do país (com efeitos perversos inclusive sobre as crescentes exportações do Setor) que o programa “TI Maior” acabe se revelando ser uma estrela cadente, dessas que chamam a atenção por um breve período de tempo, e depois se apagam.
*Luís Mário Luchetta é Presidente da ASSESPRO NACIONAL – Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação