BPO – O desafio de terceirizar processos

Engana-se quem pensa que economia aquecida significa céu de brigadeiro para as empresas brasileiras. Pelo contrário. A dinâmica do mercado e a proliferação de oportunidades faz aumentar a pressão dos acionistas por estratégias que resultem em modernização tecnológica, foco no core business, aperfeiçoamento dos processos de negócio e incremento nos resultados financeiros. A ordem é agarrar todas as oportunidades e, se possível, ainda reduzir os custos fixos do negócio. A receita usada para enfrentar esse desafio varia de empresa para empresa, mas um dos ingredientes usados ultimamente é a terceirização de processos de negócio, ou Business Process Outsourcing (BPO). 

Trata-se de tendência consolidada em todo o mundo e em aceleração no Brasil. Os últimos números da IDC dão ideia desse universo. Em 2009, cerca de US$ 508 bilhões foram movimentados no mundo em projetos de BPO. No Brasil, a cifra chegou a US$ 7,9 bilhões. A modalidade ainda está longe de atingir o mesmo nível de penetração e maturidade da terceirização de infraestrutura, por exemplo, mas as  taxas de crescimento refletem o ritmo de sua popularização. Segundo a IDC, o mercado de BPO no Brasil crescerá 16% este ano, acima da previsão global de 12%.

Na avaliação de Fábio Fischer, vice-presidente do Conselho Administrativo da TCI, pioneira nesse mercado, os empresários brasileiros e do mundo sofisticaram sua visão acerca do BPO. “A modalidade deixou de ser vista apenas como instrumento de redução de custo. Passou a ser identificada como ferramenta para transformação do negócio. Com ela, as empresas deixam de se preocupar com a retaguarda (back office) e passam a focar exclusivamente no seu negócio. Ganham agilidade para o crescimento e inovação e transformam investimento em despesa variável, atendendo aos preceitos da SOX e Basileia, além de garantirem rastreabilidade das atividades realizadas”, resume o gestor.

Fischer vê vasto campo a ser explorado para além das atividades onde o uso de BPO ainda é mais expressivo, como call center. A gestão de documentos e conteúdo empresarial, abrigada sob o conceito de ECM (Enterprise Content Management), é uma dessas searas promissoras. “Acredito no imenso potencial de crescimento do uso de BPO em processos de ECM no Brasil, mas não arrisco fazer projeções, pois a expansão desse mercado tem superado as previsões mais otimistas”, diz o vice-presidente, acrescentando que a TCI já provê algum tipo de BPO relacionado com ECM para cerca de 75% da sua base de clientes.

O executivo avalia que a terceirização de processos de ECM no Brasil ainda está restrita à digitalização de processos, ativos e inativos e à formalização de processos de cadastro, vistos por ele apenas como ferramentas para o BPO pleno de ECM. “Ressalte-se que o ECM é uma ferramenta do BPO. As tecnologias de tratamento da informação são insumos para o processo de negócio terceirizado”, explica. Como dica para quem quer parceiros nessa área, ele aconselha a busca por empresas com visão de inovação, que aceitem novos desafios e mudanças repentinas de rumo. “Acima de tudo, que sejam flexíveis para se adaptarem às necessidades dos seus clientes”, diz.

 

Avanços democráticos

Na Tecnoset, especializada em soluções nas áreas de BPO de gestão documental, networking e segurança digital, a percepção é que o Brasil está apenas no início de uma promissora onda de BPO em ECM. “A busca pelo controle, gerenciamento, segurança e disponibilização das informações está se tornando uma questão de sobrevivência para as empresas”, diz Marcel Santos, diretor-comercial da Tecnoset, grupo que mantém em sua prateleira desde outsourcing de impressão até pequenas automações de processos com tecnologias embarcadas, além de  automação do processo de informação integrando ferramentas de BPM, GED e workflow, entre outras.

De acordo com Santos, os avanços nessa área são democráticos, ou seja, beneficiam empresas de todos os portes e segmentos econômicos. Isso porque as soluções estão cada vez mais escalonáveis e flexíveis, adaptando-se aos mais variados orçamentos. Considerando toda a base de clientes de outsourcing de impressão da Tecnoset, Santos calcula que 10% deles têm projetos implantados de BPO nas áreas de faturamento, fiscal, RH, jurídica e logística. “Em alguns cases, o investimento do projeto se pagou em três meses, devido ao aumento da produtividade e à redução de custo registrados nos departamentos de faturamento e logística, entre outros benefícios”, exemplifica.

Há na Tecnoset a visão de que tecnologias como GED, BPM, ECM e CLM (gestão de contratos) estão cada vez mais presentes nas listas de prioridades das empresas brasileiras, embora em muitas delas as inovações ainda esbarrem em resistências culturais. Esse cenário pode configurar uma boa oportunidade para projetos de BPO. Segundo Santos, a escolha da melhor solução que suporte uma  estratégia bem-sucedida de BPO em ECM começa com a escolha de parceiro que se envolva efetivamente no processo de negócio do cliente. “Com planejamento e entendimento profundo do cliente é possível descomplicar esses projetos’”, afirma.

O aquecimento do mercado de BPO também é sentido na rotina da Celebroni, empresa de consultoria especializada em processos de negócio (Business Process Management - BPM). Segundo o consultor Marcelo Celebroni, essa modalidade de terceirização se firma como tendência  principalmente nos processos da cadeia de valor de suporte, relacionados com as áreas de RH, fiscal e financeira, entre outras. “São processos que não geram receitas para a empresa e, portanto, aptos a serem transferidos para um escritório de BPO como parte de uma estratégia de redução de custos”, diz Celebroni.

Para empresas que planejam investir em BPO, Celebroni lembra que o primeiro passo é o mais óbvio, embora nem sempre implementado adequadamente: entender a complexidade do negócio e documentá-lo na linguagem de BPM. “Qualquer implementação de BPO com integração a GED e ECM pressupõe a utilização de práticas de BPM”, afirma o consultor.

Além do entendimento da complexidade do negócio e da documentação dos processos que serão executados pelo BPO, o consultor destaca como essencial a análise da aderência desses processos com o ambiente de execução do parceiro contratado. São três os aspectos básicos que integram essa análise, segundo ele. O primeiro, refere-se ao capital humano, ou seja, pessoas com as  competências necessárias para executarem os processos que serão absorvidos. O segundo aspecto diz respeito à tecnologia empregada. “É importante saber se a infraestrutura disponível comporta execução de processos que até então eram feitos nos sistemas legados do cliente”, diz o consultor. Por fim, ele destaca a análise de aderência do fluxo do processo ao ambiente atual de execução no BPO. “Eventualmente, parceiros têm de fazer ajustes na sua solução de BPO para atender às necessidades específicas de clientes”, explica.

Alessandro Rosa, líder de Vendas da Accenture na América Latina, é outro que enxerga forte potencial de integração entre os conceitos de BPO e ECM. “Porque a maior parte dos negócios hoje em dia é baseada em troca de informações, e porque os processos de ECM estão ligados a ganhos de eficiência e redução de custos”, argumenta.

Os desafios de terceirizar processos relacionados com ECM são similares aos de qualquer outro projeto, segundo Rosa. Para começar – ele diz, é preciso desenvolver um business plan que justifique a decisão por BPO. E no que concerne a ECM é preciso se certificar de que a tecnologia empregada se adequa às regulamentações e requerimentos legais e fiscais exigidos e se gera a produtividade esperada.

Economia de escala

Sobre o que deve ou não ser repassado a terceiros, o especialista da Accenture diz que cada negócio tem a sua própria estratégia de BPO, que varia de acordo com a maturidade de gestão atingida. “Quanto mais maturidade, mais a empresa se concentra no seu core”, diz. Mas adianta que um dos critérios mais usados para tomada de decisão sobre terceirização é a economia de escala trazida pelo parceiro estratégico. Outro critério é a comparação entre os riscos envolvidos e os benefícios prometidos, sejam mensuráveis ou não. Muitas empresas também buscam em parceiros um conhecimento que é crítico para o seu negócio, mas que não dispõem internamente. “Quando esses três critérios são observados e atendidos, em geral o BPO se justifica. Caso contrário, depende do quanto a empresa está disposta a correr riscos”, diz. 

Tendo por base a experiência da Accenture, que mantém em todo o mundo centrais de BPOs horizontais (finanças, RH, compras etc.) e verticais (seguros, bancos, óleo e gás etc.), Rosa orienta as empresas a observarem o que considera cuidados básicos na hora de desenvolver um business plan sólido.  O passo inicial seria uma  pesquisa sobre o potencial parceiro e sua atual situação financeira e operacional. “Vale analisar a importância do BPO no quadro de ofertas do parceiro”, diz o consultor, ressaltando que, no caso da Accenture, essa modalidade integra um dos pilares fundamentais de crescimento da consultoria nos próximos anos. A empresa contratante deve despender todo o tempo que for preciso para pensar um modelo de negócio que mitigue riscos e alavanque  benefícios.

Com uma base de clientes composta por grandes empresas, a Accenture não divulga quantos deles têm contratos de terceirização de processos. “São diversos cases em diferentes fases de estruturação de BPO, tanto horizontal quanto vertical”, diz o executivo. No que se refere especificamente a processos relacionados com ECM, as perspectivas do especialista são otimistas. “É um mercado que vai crescer. Veja, por exemplo, a truncagem de cheques nos bancos, que vai reduzir expressivamente o trâmite de documentos em processos de back office. Vislumbro o aumento do uso de tecnologia de ECM porque elas são fundamentais para que várias iniciativas estratégicas das corporações se concretizem nos próximos anos”, diz.

Da sua parte, Geuma Campos Nascimento, sócia da Trevisan Outsourcing, orienta as empresas que decidirem investir em BPO a se debruçar sobre um plano que detalhe  todas as fases e sujeitos envolvidos: documentação oficial, registro do processo completo do negócio, análise dos ativos, avaliação dos riscos e gerenciamento dos ativos tangíveis e intangíveis envolvidos. “Superada esta fase, deve ser iniciado o processo de escolha do prestador de serviços”,  diz a executiva.

O passo seguinte, segundo Geuma, envolve a preparação de solicitação de proposta (Request For Proposal, ou RFP). Essa etapa deve ser tratada como um subprojeto liderado por quem conhece o projeto maior de terceirização, conforme a especialista. “Neste momento, é imperativo que seja definido o nível de serviços (SLA) ofertado e esperado de ambas as partes”, acrescenta.

POR ONDE COMEÇAR

Em relação a quais e quantos processos devem ser terceirizados, Geuma diz que depende da análise e da estratégia adotada pela empresa. “Uma coisa é certa, os ganhos são mais expressivos, tanto para o prestador quanto para o comprador desses serviços, quando há escala, ou seja, quando a terceirização se dá no maior ou no mais completo processo da organização”, diz. Por outro lado, começar a terceirização a partir de uma unidade de baixo desempenho e com alto custo pode ajudar a justificar outros projetos, dependendo dos benefícios obtidos – avalia a executiva.

Já Fábio Fischer, da TCI, diz que não há uma fórmula para uma empresa ingressar no mundo da terceirização de processos. Segundo ele, muitos usuários intensos de BPO optaram por começar com os processos mais problemáticos, enquanto outros escolheram os mais simples. Mas há unanimidade quanto à recomendação de que apenas um processo por vez deve ser migrado. “É a alternativa considerada mais consistente”, diz. Inicialmente – ele alerta, ocorrerão erros e o prazo de estabilização pode ser longo. “Mas uma vez estabilizada a operação, a migração dos processos seguintes ocorrerá em prazos cada vez menores”, finaliza.

O que a empresa ganha com BPO:

 

  • Foco no core business, deixando a execução de processos de apoio para o parceiro
  • Aumento de eficiência e melhoria contínua na execução dos processos de negócio
  • Liberação de recursos internos para assuntos estratégicos
  • Redução dos investimentos em capital e em treinamento na execução dos processos
  • Transformação de investimento em despesa variável
  • Garantia de rastreabilidade das atividades realizadas
  • Obtenção de maior flexibilidade interna
  • Controle e redução de custos operacionais
  • Atualização tecnológica
  • Absorção de conhecimento/expertise antes deficiente na empresa
    Fonte: Kpmg e especialistas consultados [/private]

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