A desordem continua

Penso que nenhum outro ramo de conhecimento, de negócio, de estudos, tenha tantas siglas quanto o nosso de TI. A profusão de siglas, nomes, acrônimos, substantivos, adjetivos é tanta que muitas vezes nem sabemos de qual significado estamos falando ao empregarmos uma determinada palavra. Entretanto, continuamos a praticar uma enorme desorganização informacional sem sabermos em quem, exatamente, colocarmos a culpa pelo estado caótico, não estruturado dos dados e informações. Na falta de um culpado claro, atribuímos a culpa às tecnologias da informação.

[private] Na verdade, a falha não é das tecnologias, pois estas não são levianas! A falha é de quem as vende, por prometer o que elas não podem cumprir; e de quem as compra, por acreditar em poderes que estão, além da atual capacidade funcional de qualquer tecnologia da informação. Uns e outros esperando resolver por meio das tecnologias problemas culturais, organizacionais, estratégicos e operacionais executando o mesmo círculo vicioso de “comprar-tecnologias-para-resolver-problemas-e-resolver-problemas-por-ter-comprado tecnologias”. 

Particularmente, acho que já perdemos o controle sobre as tecnologias da informação ou, no mínimo, estamos bem próximos disso. Parece a todos nós que os dados, as informações e o conhecimento geram a si mesmos (paterno gênese ou autopoesi? Você escolhe) quase que espontaneamente, numa espiral ascendente e cuja boca superior só aumenta mais e mais (análoga à boca das espirais dos tornados e furacões).

Recentemente, quando conduzia um projeto de análise e modelagem de processos de negócio, tomei conhecimento do seguinte drama.

Uma determinada organização, com quase mil funcionários, decidiu comprar um sistema de discos para centralizar todos os HD que proliferaram e continuavam a proliferar por meio das dezenas de servidores. O equipamento, de última geração e caríssimo, com a capacidade de dezenas de terabytes, chegou, foi instalado e a área de operações migrou, um a um, todos os bancos de dados dos servidores corporativos para dentro do “disc-array”. Tudo correu dentro do previsto e planejado, mesmo porque o pessoal de operações era (e é) muito bom tecnicamente, até que chegou a hora de migrar o servidor que continha os arquivos “pessoais” de todos os funcionários da organização. Aqueles arquivos que chamamos de “arquivos dos usuários”.

Pronto! Estava estabelecido o caos! Perguntas, como as listada abaixo, foram feitas sem que ninguém se arriscasse a dar qualquer resposta: Quais arquivos migrar? Quais arquivos eram validos? Quais arquivos eram “lixo?” Migrar (tudo) ou não migrar? Eis a questão! Nesse ponto, o gerente da área de TI, mandou suspender a migração.

Os tais “arquivos dos usuários” já ocupavam mais de dois terabytes (!) e o gerente de TI queria que o supervisor da área de operações migrasse somente aqueles arquivos que fossem importantes (?) ou os que tivessem sido atualizados nos últimos seis meses ou, em última hipótese, os que não fossem lixo (?).

Resultado: a migração parou e travou. (Lembra da fábula dos ratos que queriam pendurar um guizo no rabo do gato, mas nenhum se dispunha a fazê-lo? Pois é, aqui também ninguém queria assumir a responsabilidade).

A ideia do gerente de TI era boa e cheia de racionalidade, entretanto a organização não possuía nenhuma política de ocupação e uso dos recursos computacionais e de backup que pudesse ser usada junto aos usuários para justificar tal decisão, fosse qual fosse a que viesse a ser tomada. E mais, ele queria que o supervisor da área de operações assumisse o ônus do desgaste junto aos usuários por “forçá-los” a se desfazerem das suas “inutilidades”. Óbvio que o chefe da área de operações disse não, pois não tinha como fazer uma migração seletiva, uma vez que não havia política de uso dos recursos e muito menos, a organização possuía um software adequado para executá-la, e consequentemente não havia como  justificar junto aos usuários a não-migração dos seus arquivos. Sem falar que ali estavam os arquivos de usuários como o presidente, os diretores...

O gerente da área, por sua vez, não quis assumir uma postura “ditatorial” frente à organização e obrigar aos usuários (entre eles os diretores e o próprio presidente da instituição) a se desfazerem dos arquivos inúteis. O custo político de tal decisão é sempre altíssimo e pode até mesmo derrubar um gerente. E assim, os dias foram passando, passando, até que por uma destas “coincidências típicas da Desorganização Informacional, o tal servidor que continha os arquivos pessoais de todos os funcionários da organização pifou.

Conclusão: a área operacional teve que apagar um tremendo incêndio, recuperando todos os backups de todos os terabytes que estavam no antigo servidor para migrá-los, ipsis litteris, “a toque de caixa” para o novo equipamento (o caríssimo disk-array) depois de quase três meses de desgaste interno na área de TI.

E nem queiram saber, o que isto ocasionou junto aos usuários e como se comportaram. Típica situação de desorganização informacional. [/private]

 

* Texto escrito por Tadeu Cruz,  professor M.Sc.,  formado em Administração de Empresas; especialização em Engenharia de Sistemas e em Análise & Modelagem de Processos de Negócio. Mestre em Engenharia de Produção. Membro-pesquisador do GEACTE-FEA-USP e do Sage-Coppe-UFRJ  e da Escola de Engenharia Universidade Mackenzie.

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