A associação entre duas empresas em uma Joint Venture (JV) é algo complexo, tanto do ponto de vista empresarial como organizacional. A definição clara do escopo de atuação da JV, sua relação com empresas controladoras, a estrutura diretiva e o modelo de gestão são alguns dos temas mais frequentes na formação desta nova empresa. Porém, ao se analisar diversos casos de sucesso e insucesso ao longo dos anos, fica evidente que um dos fatores-chave para o sucesso é o estabelecimento de um Modelo de Governança Corporativa. A constatação é da Dextron Management Consulting, consultoria especializada em projetos de estratégia e organização, que aponta, entre os principais desafios, a implementação dessa governança.
“A governança tem papel decisivo nesse tipo de modelo de negócio, porque sua sobrevivência, e eventualmente sucesso, dependem fundamentalmente da vivência prática dos princípios, mecanismos, instâncias e regras estabelecidos entre as empresas controladoras, principalmente no momento da sua formação. Obviamente, sempre existirão conflitos, divergências e situações não previstas, porém, quando essas diferenças são encaradas como desafios e superadas, seu modelo de governança amadurece e ganha resiliência, permitindo assim à Joint Venture performar e se destacar em seu setor de atuação”, comenta Celso Ienaga, sócio-diretor da Dextron Mangement Consulting.
De acordo com Ienaga, o modelo de Joint Ventures tem sido mais utilizado em três tipos de situação: aliança entre investidores internacionais e um parceiro local para expandir mercado; exploração de novos produtos por meio da transferência de know-how entre as empresas associadas; e execução de contrato de propósito específico, caso em que há divisão de custos, riscos e responsabilidade.
Nos três casos, depois de estabelecidos os objetivos e os resultados esperados da Joint Venture, entendidos os riscos e as responsabilidades e formalizados os acordos entre as partes e terceiros, é o momento de criar um modelo de Governança Corporativa. Este modelo deve prever a existência de código de conduta, de fóruns comuns para o tratamento de questões críticas (ex.: risco, investimentos etc.), de processos para formalização de acordos e contratos entre as parte e com terceiros, de procedimentos para encaminhamento e tratamento de conflitos, e de delegação de poderes e autoridade aos executivos da JV, que estes possam atuar de maneira segura e eficaz, sempre garantindo que os interesses das diferentes partes estejam sendo respeitados.
Além disso, é fundamental que a JV adote uma estrutura de governança com a definição clara de papéis, focos e responsabilidades. Para impedir a sobreposição de interesses entre as empresas parceiras, as organizações devem observar alguns passos importantes:
- Instituir um conselho de administração cujas empresas envolvidas indiquem número igual de membros ao órgão;
- Estabelecer limites de decisão e de veto para que uma parte não tome decisões sem a autorização da outra parte;
- Ter número igual ou maior de conselheiros independentes do que os conselheiros das empresas – de modo a mitigar decisões viciadas ou pouco analisadas;
- Orientar o sistema informatizado de gestão da JV, de forma a gerar relatórios que permitam a análise da evolução e do desempenho das ações implementadas pelos gestores da empresa;
- Estabelecer regras claras para votação e processo de busca de consenso ou tratamento de litígios e divergências;
- Ter processos e mecanismos para registro, encaminhamento e tratamento das divergências e dos desconfortos levantados nas reuniões do conselho, de forma que seja sempre que possível buscar uma solução de consenso entre as partes. Pode-se, por exemplo, estabelecer um mecanismo de feedback periódico entre as partes para garantir que este aspecto seja mantido vivo e atualizado;
- Participar conjuntamente da seleção dos principais gestores da Joint Venture e definir, de maneira clara, as responsabilidades e a remuneração da diretoria. É importante mencionar que, neste formato de negócio, o papel da principal liderança é determinante para garantir o sucesso da JV. Assim, recomendamos que à frente do negócio deve estar um profissional que reúna características de liderança, tais como: independência, foco em resultados, habilidade em negociação, construção de alianças e trabalho em equipe.
Do ponto de vista da Dextron, os modelos e práticas de Governança Corporativa em Joint Venture oferecem um aprendizado único e importante para as empresas com gestão e controle únicos, principalmente no que se refere ao estabelecimento de estruturas, processos e mecanismos que garantam a máxima transparência e equidade nas relações entre os acionistas. “Em geral, organizações com uma gestão e controle únicos tendem a assumir decisões e atitudes que não se esmeram ao máximo na busca pela transparência e/ou equidade”, comenta Ienaga.
Além disso, muitas das práticas e instrumentos de Governança Corporativa adotados para garantir o accountability (a responsabilidade) dos gestores da Joint Venture podem ser muito úteis para aprimorar a gestão de empresas cujo controle está num único grupo de acionistas. Como a gestão de uma JV é um campo fértil tanto para o dualismo dos objetivos quanto para a divergência de interesses e, também, para a falta de clareza nos posicionamentos, a vivência do modelo de Governança pelos gestores traz uma riqueza de aprendizado importante. Isso porque os diretores geralmente acabam estabelecendo um processo estruturado de definição de prioridades, focos e resultados a serem atingidos que contemplem os interesses das diferentes partes, de tal forma que possam ser cobrados, responsabilizados, além de reportar os resultados e a evolução destes aos diferentes acionistas, de forma adequada.
Quando uma das partes de uma Joint Venture é um veículo de investimento, como um fundo de Private Equity, a adoção de práticas de governança fica facilitada pela entrada de gestores profissionais. Isso porque eles fortalecem a gestão do negócio por meio da implementação de novas tecnologias e instrumentos de gestão, como processos orçamentários, cultura de planejamento, meritocracia, gerenciamento de riscos e outras práticas que buscam garantir geração de valor para todos os stakeholders da empresa.
Casos de Sucesso de Joint Venture
No Brasil, exemplos bem-sucedidos de Joint Ventures são a Raízen, a associação entre a Cosan e a Shell no setor de biocombustível que resultou em uma das maiores companhias do País, e o Grupo Randon, que adota como estratégia de expansão a constituição de Joint Ventures e parcerias com multinacionais, utilizando as suas competências para criar empresas ligadas ao grupo e que são autossustentáveis com atuação no setor de autopeças, implementos, veículos especiais e consócios.
Apesar das Joint Ventures terem sido criadas inicialmente para viabilizar oportunidades entre empresas não concorrentes – muitas vezes para assegurarem etapas distintas da cadeia operacional –, é cada vez mais frequente a associação entre empresas que são “concorrentes e complementares”, como é o caso da Raízen e da Randon. Joint Ventures assim ocorrem especialmente em projetos que envolvem desenvolvimento tecnológico, situação que exige altos investimentos, e entre empresas em que há know-how complementar.
Em geral, são empresas que pretendem expandir seus negócios para mercados internacionais e que, para isso, realizam conjuntamente os investimentos no estrangeiro, dividindo entre si os riscos do negócio. De forma ampla, o sucesso de Joint Ventures entre empresas “concorrentes e complementares” está associado às características do conhecimento a ser compartilhado e à adoção de um sistema de gestão transparente que esteja alinhado com os objetivos de todas as partes envolvidas, e que promova uma visão de proteção ao patrimônio sem limitar o empreendedorismo.