*Por Augusto Mendonça
O maior medo dos antigos Gauleses era que o céu caísse sobre suas cabeças. Fui um inveterado leitor dos quadrinhos de Asterix
e Obelix durante minha infância. E só fui entendê-los há pouco tempo... Junto com os antigos Gauleses, na mesma embarcação, novos colaboradores, alguns universitários, uma bicicleta e transformações diversas. Transformações que nada mais são do que reflexos das mudanças nas demandas de negócio dos nossos clientes e das novas tecnologias e abordagens que estão surgindo: Big Data, IoT, Analytics, PBCS, EPRCS, SaaS, PaaS, IaaS, dentre outras. Novas necessidades de negócios, novas demandas, novos modelos mentais, novos conceitos, novos métodos de trabalho, novas formas de implementar, de vender, de interagir com o cliente. O mundo mudou. Dos antigos Gauleses ao Big Data, passando por novos colaboradores, EPM, bicicleta e universitários: o objetivo deste artigo é mostrar que tudo isso está intimamente interligado.
Primeiro vamos entender o que é de fato Big Data. Buzzword do mercado. Temos Pós-Graduação em Big Data ao mesmo tempo que precisamos garimpar para encontrar as referências reais e em produção dos exemplos que podemos classificar como “verdadeiros casos de inovação”. Há pouco participei de uma pequena palestra com um grupo de universitários. Haviam uns 15 universitários presentes. Questionamentos comuns foram feitos em relação a termos do mercado de serviços de TI: “Alguém sabe o que é CX? Alguém Sabe o que é HCM? Alguém sabe o que é Middleware?”. Nas respostas um baixo índice de braços levantados. Mas quando perguntado “Alguém sabe o que é BigData?”, todos os braços foram levantados. Fiquei surpreso pois o conceito ainda é discutido até mesmo por alguns profissionais da área. Big Data vai muito além da tradução literária e sugestiva do nome de se trabalhar com grandes volumes de dados. Vai muito além de se trabalhar com dados estruturados e não estruturados. Vai muito além de Flume, Hive, Pig, Hadoop, R, NoSQL, da mesma forma como SOA vai muito além de se ter um Service Bus instalado. Em Big Data há um pulo do gato que vejo se perdendo ou não sendo percebido. E para entender este pulo do gato, temos que perceber algumas mudanças que tivemos no mundo nas últimas 3 décadas.
De forma resumida e simplificada, na década de 80 tínhamos os CPDs (Centro de Processamento de Dados) com os famosos mainframes onde muitos trabalhavam com arquivos indexados. Muito Cobol, Adabas e Oracle. Plataforma RISC. Nesta época já existia o conceito de Data Warehouse, mas ainda embrionário (Ralph Kimball e Inmon disputando qual modelo seria o melhor). A questão era que tínhamos pouca coisa informatizada. O que era “grande” naquela época não era nada comparável aos patamares de hoje em termos de volume de dados. Basicamente tínhamos processamentos batches de faturamento, folha, e algumas outras coisas. E isso era desconectado, ou seja, não existia o conceito de sistema integrado ou ERPs, onde os processos estavam interligados dentro de uma única aplicação, compartilhando o mesmo modelo de dados. Além disso, apenas grandes empresas tinham acesso a tais tecnologias. Impensável uma drogaria ou um supermercado ter um mainframe para processar suas vendas. Nada do front-office era informatizado. Me lembro do meu avô indo ao “BANERJ”, Banco do Estado do Rio de Janeiro, com a caderneta de poupança depositar suadas economias para a compra da minha primeira bicicleta e voltando com o novo saldo anotado à caneta.
Década de 90 começaram a ter os ERPs onde os processos de compras, vendas, contábil, estoque, etc., passaram a poder compartilhar um mesmo modelo de dados a partir de uma mesma aplicação. Nesta mesma época começou a iniciativa do downsizing e, junto com isso, o desenvolvimento custom de soluções integradas com softwares de custos mais baixos. Plataforma CISC. Nasceu a Orientação a Objeto (OO) com as prometidas heranças para facilitar e agilizar o desenvolvimento e com isso o reuso. As drogarias e os supermercados começaram a poder ter acesso a algum tipo de sistema. Ainda nesta década a internet saiu dos setores militares e foi para as universidades. Já no meio para o final da década de 90 a internet se difundiu de fato, saindo das universidades invadindo empresas com emails, intranet e extranets. ERPs para middle market. EPM começou a se estruturar. Mas ainda não existia eCommerce e a população de uma forma geral não estava totalmente conectada. Ainda...
Década de 2000 tem que ser dividida em 2 fases: primeira fase até 2005, onde tivemos basicamente Orientação a Serviço (SOA) com uma nova proposição, o início do eCommerce, expansão definitiva da internet e, nova surpresa: redes sociais. No Brasil veio o Orkut. Novas formas de comunicação: messenger se difundia, interações pela web através de grupos e fóruns virtuais sobre os mais variados assuntos. Início de celulares conectados na internet. EPM se estrutura de forma definitiva com o conceito de BPM ou CPM. Segunda metade de 2000: expansão da conectividade da telefonia móvel na rede. Aplicativos para celulares, redes sociais amplamente utilizadas. Mundo se comunicando de diversas formas: blogs, Twitter, Facebook, ReclameAqui, YouTube. Cada celular vira um hotspot da rede. Conceito de Nuvem. Cada pessoa vira um pedacinho de nuvem. Objetos diversos conectados na rede: câmeras, carros, videogames, TVs e até bicicletas... Mundo conectado como jamais tivera antes!
Mas o que de fato mudou e onde esta o pulo do gato? O pulo do gato está em 2 pontos específicos:
- (Menos importante) Repare o volume total de dados que foi crescendo ao longo das décadas e os tipos dos mesmos. Faça uma reflexão sobre escopo funcional (processos, back e front-office), mercado (small, medium e large) e tipos de business que foram sendo automatizados ao longo dos anos, incluindo as ações dos usuários finais;
- (Mais importante) Até o final da década de 90, talvez até mesmo final de 2005 (nesta linha do tempo que reconheço que é questionável em termos de datas, mas isso não é importante, abstraiam por favor) o que tínhamos para analisar eram apenas transações em banco de dados ou em arquivos de mainframes. Alguém tinha que comprar, devolver, dar baixa no estoque, ligar para o call center para reclamar, pagar um funcionário, enfim, tinha que ter uma transação atrelada a um “COMMIT;” em algum banco de dados para termos o registro de algo para podermos tentar analisar e transformar em informação. Nosso ferramental também só tinha esse potencial. A partir de 2005 os registros ou rastros passaram a ser mais sutis e diferentes... passamos a ter rastros dos mais diferentes tipos e de volumes muito maiores: postagens em diferentes tipos de sites, logs de navegação e dispositivos diversos, alguém comentando da minha marca, reclamando de mim, escrevendo sobre mim, passando pela minha loja, indo no meu site, indo no site do meu concorrente, navegando e não comprando, usando determinados objetos que disponibilizo em shoppings, ruas, etc. De forma resumida, a grande mudança é que agora não há mais a necessidade de uma transação atrelada a um “COMMIT;” em um banco de dados para termos um dado que possa ser transformado em uma informação valiosa para o negócio de uma empresa, que traga uma vantagem competitiva. Não há mais a necessidade de uma compra, uma venda, uma troca ou uma reclamação no call center, bastando olhar para os diversos e inúmeros rastros de interações que acontecem.
O ponto 2, em específico, é a grande mudança. É onde ocorre a quebra do paradigma. É o que faz sairmos de um modelo mental de análise de transações para análise de interações. E isso é Big Data. Como dito, BigData é mais que Hadoop, Hive, NoSQL, R. De forma resumida e clara: BigData é um conceito. Big Data é um conceito que alinha a tecnologia analítica às grandes transformações que estamos vivendo no mundo de hoje. Momento onde todos são expectadores e protagonistas ao mesmo tempo. Receptores e emissores. Big Data quebra o paradigma do modelo mental de análise de transações, trazendo um novo paradigma: análise de interações. Essa é a grande mudança.
O que vejo comumente acontecer hoje é a dualidade enganosa de ou replicar um Data Warehouse ou brincar de “Guerra nas Estrelas” com as ferramentas estatísticas no mundaréu de dados, havendo até campeonatos de algoritmos que geram menores casas decimais de margem erro. O primeiro caso acaba não trazendo nada de inovador e apenas replicando o que já existe. O segundo esquece totalmente a visão do cliente e o que realmente agrega valor ao seu negócio. Inovação, para quem trabalha com consultoria de software, antes de qualquer coisa tem que agregar valor ao negócio do cliente. Em ambos os casos citados não há inovação plena. Passamos exatamente por uma destas situações na implementação do Big Data em uma grande empresa de varejo, onde encontramos inicialmente um cenário de alta complexidade que ao final não agregava nada de novo ao cliente: Análise de Vendas em D-3 carregando 25 bases com uma visão questionável de cliente único. Mudamos toda a proposição do caso de uso, diminuindo a complexidade, mas gerando muito mais valor ao negócio: Análise de Vendas em Next to Real Time + Análise das Não Vendas: o que foi olhado, experimentado mas não foi vendido em TODAS as lojas físicas carregando apenas 3 origens de dados de forma não intrusiva, sendo uma delas o log de navegação do site. Enfim, essa é a riqueza. Aí esta a inovação, a quebra do paradigma a partir da junção de informações diversas (rastros com transações) e de forma não intrusiva (compartilhamento de logs), criando algo realmente novo, até então impensável ser possível. Mudança total no mindset. Quebra total do paradigma.
Aqui entram os novos colaboradores. Sempre mantive uma identificação ímpar com os novos colaboradores. Um pessoal que traz uma visão livre de pré-conceitos, livre do pré-julgamento de “não dá para fazer” ou do “é assim porque sempre foi assim”. Um pessoal com uma vontade genuína e pura de somar. Devemos cultivar em nós mesmo o interesse e a vontade de quem esta sempre entrando na empresa. E mais que isso: talvez um pouco do desapego aos modelos mentais e do conhecimento que temos para aceitar as mudanças que certamente virão, mas aproveitando a sabedoria adquirida e construída aos longos dos anos. Em uma outra implementação de BigData para uma outra empresa, multinacional produtora de bens de consumo, neste caso todo em Cloud, tivemos que nos reinventar de diversas formas. O cliente sabia o que queria, mas não sabia exatamente qual caminho seguir ou como fazer. Resultado: Experimentações e ideias a serem provadas. BigData toca também em ideias e experimentações. Chegamos a receber demandas por WhatsApp, folha de caderno e guardanapo. Ligação do cliente que estava andando de skate no parque com uma nova ideia (geração Y). Esta ideia jogava uma base inteira para dentro da nuvem, envolvia um estatístico, um especialista em mining, um em Hadoop e apresentava algo no ferramenta de acesso, também em cloud. No dia seguinte apresentávamos o resultado para o cliente. Algumas vezes a ideia resultava em algo de concreto - foi um passo positivo dentro do objetivo maior. Outras vezes não, mas importante o exercício pela experimentação realizada. Estas interações eram muito rápidas pois a tecnologia assim permite, apesar do envolvimento dos diversos profissionais. Várias destas interações aconteceram até chegarmos no modelo final. Concluído, o projeto foi classificado pelo próprio cliente como um dos projetos com altíssimo potencial de crescimento na receita líquida e EBITDA. E isso é inovação. Isso é BigData. E dessa interação que tivemos com o cliente geramos nós uma nova forma de trabalhar, diferente de tudo que já havíamos feitos. Apresentamos esta forma de trabalhar para outros clientes que praticamente caíram da cadeira, pediram para beliscar seus braços pois, segundo suas próprias palavras, “isso era sonho para eles”.
O mesmo acaba acontecendo com EPM em suas devidas proporções. As últimas iniciativas com a Plataforma de Planejamento em Cloud que estamos nos envolvendo de nada tem haver com o processo tradicional e padrão de planejamento orçamentário, foco contábil e financeiro. Alguns exemplos são soluções para áreas de Marketing, Suprimentos e Gestão de Contratos de TI. Enfim, fica o mesmo tom de fazer diferente, mudar, se reinventar mas aproveitando todo potencial das nossas tecnologias.
Por fim: E o que a brevemente citada bicicleta e o medo dos antigos Gauleses de que o céu caísse sobre suas cabeças tem haver com isso tudo?
Há algumas semanas atrás estava eu indo para o trabalho de bicicleta. Era uma manhã bonita, com um céu azul lindo e umas nuvens bem bacanas. Parei em um sinal. Me lembrei das 80 bases e os inúmeros arquivos de logs, posts, comentários e likes que estamos subindo para o Big Data em Cloud do cliente. Olhei de novo para o céu... Me lembrei dos antigos Gauleses e passei a entendê-los melhor...
*Por Augusto Mendonça, Senior Principal Solution Architect at Oracle do Brasil