Proteção ao titular de dados requer investimento do controlador na área jurídica

Proteção ao titular de dados requer investimento do controlador na área jurídica

Por Victor Hugo Pereira Gonçalves, presidente do SIGILO - Instituto de Defesa dos Titulares de Dados e doutor em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo.

A partir da Constituição de 1988, foi-se introduzindo no mundo do Direito a percepção de que uma nova forma de sociedade estaria surgindo e, com ela, novos valores a serem protegidos. Basta lembrar seu art. 5º, inc. XII, que a tornou a primeira constituição do mundo a tratar a proteção de dados como cláusula pétrea.

Durante a construção desse percurso da consolidação da proteção de dados, como um valor a ser protegido e assegurado pelo Direito, tem, com a edição do Código de Defesa do Consumidor, em 1990, a confirmação da mudança já trazida na CF de 1988, onde o art. 43 reconhece o valor dos bancos de dados de cadastro de consumidores.

Desde a edição dessa norma, as relações de consumo foram se modificando. Estabeleceram-se novas formas e relações jurídicas entre consumidores e fornecedores. Agora, depois de mais de 30 anos da criação do Código de Defesa do Consumidor, um novo indivíduo surge com a consolidação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD): o titular de dados.

E não se pode confundi-lo com consumidor, usuário ou cliente. Trata-se de um novo e recente sujeito de direito, feito de memórias, esquecimentos e verdades. Traçar as linhas de uma imagem, moldura do que seja esse indivíduo constitui-se de objetivo importante para contextualizá-lo perante as tecnologias de informação e de comunicação. Por isso, torna-se essencial analisar as estruturas jurídicas de relacionamento dos titulares com os controladores dos dados. E não só através das questões relacionadas com o consentimento, o legítimo interesse e de todas as hipóteses legais admitidas para se controlarem tais informações, mas também pelas práticas dos tratamentos de dados. É o titularcentrismo em que todos os tratamentos se direcionam para as necessidades dos titulares de dados.

Entender as práticas que dissociam o titular de seus dados nos auxiliará a entender os recentes vazamentos ocorridos nos controladores, sendo que o mais recente, o do SERASA, é o maior da história do país. Os controladores, públicos e privados, por anos a fio, relegaram à segurança da informação o ostracismo gerencial. Nunca investiram o dinheiro suficiente para a implementação de políticas de segurança da informação e proteção de dados e sempre enxergaram esse investimento, quando ocorria, como um gasto desnecessário.

As leis existentes já são suficientes para proteger e ressarcir em face dos abusos cometidos em casos de violação de dados. Entretanto, a labuta diária da proteção de dados ressente-se de uma visão que considere os riscos e os gravíssimos danos trazidos pela incompetência e inépcia dos controladores em assegurarem ou garantirem minimamente a segurança dos dados dos titulares.

A percepção desse novo estado caótico de violação contínua de dados só será alterada com uma mudança de postura dos controladores. Devem eles enxergarem que as suas práticas afetam a realidade das pessoas e que, ao capturar os dados dos titulares para desenvolverem os seus negócios, estão lidando com a vida deles e não com objetos que podem ser descartados ou desconsiderados nas análises de risco do negócio.

É urgente que os controladores de dados não só conheçam os direitos dos titulares de dados, mas os respeitem e sejam punidos pelo mau uso. Assim como é fundamental que todos os titulares sejam educados na cultura da proteção de dados e da privacidade e tenham o pleno conhecimento das leis existentes e que tenham acesso fácil às informações, sem obstáculos, para corrigirem, se oporem e excluírem seus dados.

O artigo 18 da LGPD estabelece, entre outros direitos, o direito de obter do controlador os seus dados, mediante requisição; o direito de confirmação da existência de tratamento de dados; acesso aos dados; correção de dados incompletos; a anonimização dos seus dados; o bloqueio ou eliminação de dados desnecessários, excessivos ou tratados em desconformidade com o disposto na lei; eliminação dos dados pessoais tratados sem o consentimento do titular. Infelizmente, na prática, a implementação desses direitos não ocorre.

Quando há um investimento pelos controladores, eles o fazem direcionado, principalmente para a área de tecnologia e de projetos. Contudo, seguem alheios aos fatores humanos imprescindíveis para a efetiva implementação dos direitos dos titulares, o que inclui o treinamento de colaboradores e fornecedores e uma melhoria das suas políticas e práticas jurídicas. Muitas vezes, por falta de capacitação e entendimento da proteção de dados, os controladores não conseguem prover os meios necessários para fazer cumprir o sistema protetivo e os direitos dos titulares.

Diante da ausência da efetiva aplicação da legislação, da falta de investimento numa cultura da segurança da informação e de uma área jurídica capacitada, com entendimento completo dos direitos dos titulares, o controlador poderá falhar na aplicação dos direitos dos titulares e não cumprirá as exigências da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), em termos de adequação e transparência. Como sempre digo há anos, não há segurança jurídica sem segurança da informação e vice-versa.

Para além das tecnologias, os riscos jurídicos da não aplicação da LGPD são muito maiores e significativos. Se as políticas, os contratos e os termos estão em dissonância com as práticas executadas pelo controlador, existe aí uma falha que expõe, juridicamente, o titular a violações de dados pessoais, que podem culminar ou não no vazamento de seus dados. Estar ciente de que as garantias jurídicas têm que acompanhar as tecnológicas e procedimentais envolvidas no tratamento de dados é dever objetivo do controlador. E toda a sociedade deve conhecer e cobrar esses direitos.

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