*Nicolás Jodal
Em 1916, um dos centros de tecnologia mais desenvolvidos no mundo era a fábrica de automóveis de Henry Ford, onde a produção em cadeia foi criada. Naquele momento, vistas em perspectiva, as pessoas que trabalhavam ali teriam o mesmo prestígio social que hoje aqueles que trabalham em lugares como Google ou Facebook têm, porque estavam fazendo as coisas mais avançadas.
O trabalho de Henry Ford na fábrica era tão fascinante que impressionou a todos e fez com que fôssemos construindo, ao longo do tempo, uma sociedade que foi imitando essa fábrica. No entanto, do ponto de vista conceitual, o que se fazia nessa fábrica era apenas copiar um desenho com eficácia. A partir de um modelo de um Ford-T, que Henry Ford havia criado, os operários fabricaram, durante 14 anos, uma mesma cópia.
Isso é bastante chato. Contudo, gostamos tanto do modelo que toda a nossa sociedade começou a se organizar em torno de como fazer melhor uma cópia. Buscou-se, assim, um mecanismo de comando e controle para que as pessoas fizessem todos os dias o trabalho chato e repetitivo que era preciso fazer, como apertar parafusos o dia inteiro. Esse mecanismo de controle, ideal para dirigir uma fábrica, veio do exército.
Sob esse modelo, Alfred Sloan, o mítico Presidente da General Motors que venceu Henry Ford, deu o nome de Recursos Humanos para essas pessoas que trabalhavam nas fábricas. Ele via que tinha um estoque de parafusos e um estoque de pessoas e, percebidos como números, não eram muito diferentes. Do ponto de vista econômico, a tarefa também era fazer uma cópia, e a maneira de fazer o negócio desenvolver era ser o maior possível. Isso era a economia de escala.
No que toca à educação, se eu precisar educar crianças para que no futuro façam uma cópia, vou precisar de uma escola que siga o modelo de uma fábrica. Foi o que se fez e que se pode ver hoje: existe um mecanismo padrão em que tudo é feito exatamente igual. Aos seis anos, aprendem-se as vogais; aos sete, a somar, e assim sucessivamente. Ninguém se pergunta se uma criança está mais ou menos pronta para fazer uma ou outra tarefa. É sempre exatamente a mesma coisa.
Esse modelo foi fascinante e avançamos muito com ele, mas hoje ele é cada vez menos relevante por muitas razões. Uma delas, a que me interessa desenvolver, é o fato de termos começado a fabricar alguns produtos que nunca tinham sido fabricados antes no mundo: produtos nos quais o custo está em não ser uma cópia.
A revolução de Henry Ford foi diminuir o custo para se fazer uma cópia, que era muito alto naquele momento. Mas se faço um software, o custo não está em fazer a cópia. Isso muda totalmente as regras. Se o custo não está em fazer a cópia, terei de organizar a empresa de uma forma absolutamente distinta.
Aqui, alguém pode dizer: bom, isso pode ser muito interessante para os que fazem software, mas não é relevante para alguém que fabrica automóveis, por exemplo. Mas não é bem assim. Nos últimos anos, o software tem invadido tudo. Continuando com o exemplo dos carros, um Ford atual de alta categoria tem mais ou menos a mesma quantidade de software que metade do sistema operacional Windows.
O que acontecerá, então, é que, com o tempo, a fábrica de Henry Ford vai se parecer muito mais com o Google de hoje do que com a fábrica de 1916, porque quando o software toca uma indústria, transforma-a. E já não podemos dizer que aqueles que trabalham nessas empresas de alta tecnologia são “Recursos Humanos”: seria um insulto dizer que seres humanos são recursos.
Tampouco podemos chamá-los de “Capital Humano”, que significaria apenas uma variação ao afirmar que são dinheiro, em vez de dizer que são como parafusos. Nada disso, são pessoas.
Agora, a empresa precisa se organizar de modo diferente. Em vez de seguir o modelo de um exército, temos que seguir o modelo de um atelier, uma vez que o mais parecido, em 1916, ao que fazemos agora era o estúdio de Pablo Picasso. O atelier de Picasso está muito mais próximo do Google de hoje. A tarefa das pessoas que trabalham ali é criar. Não se trata de fazer uma cópia, mas de ter ideias novas. As organizações são completamente diferentes: não há mais comando e controle, mas um mecanismo de liderança e apreciação.
Quando os funcionários da Apple faziam o que Steve Jobs queria ou quando os funcionários da Microsoft faziam o que Bill Gates queria, não faziam porque Jobs ou Gates era o comandante ou chefe da empresa. Faziam porque tinham um enorme respeito pelo conhecimento dos dois. Assim é a liderança: deve estar baseada no conhecimento do que estamos fazendo.
Em economia, não nos interessa mais o maior, mas o mais rápido. Quanto mais rápido eu puder me mover, melhor serei. E ser grande é lento. A educação também mudou substancialmente: já não me interessa que todos aprendam o mesmo, mas desenvolver o talento que cada uma das pessoas tem. O que interessa é que cada aluno possa seguir seu próprio caminho. Ou seja, que além da educação formal, possa seguir seu próprio desenvolvimento. Se alguém se interessa por História aos sete anos, por que não pode aprender mais?
Essas são algumas das mudanças que vamos ver cada vez mais. Algumas já estão acontecendo agora. No Uruguai, por exemplo, existe um projeto chamado “Plan Ceibal” que possibilitou a entrega de 500 mil laptops para crianças. Dessa forma, além do mecanismo de educação formal, elas podem acessar um mecanismo com o qual podem desenvolver seu próprio talento. No fundo, o que estamos fazendo é aprender a aprender. Essa é a tarefa fundamental.
Essa é minha visão do futuro. Penso que a partir de agora, vamos ter mais empresas que vão estar mais orientadas à liderança, à gestão do talento. Não vamos ter recursos humanos, não vamos ter capital humano: o que vamos ter são pessoas que estão desenvolvendo seu talento, fazendo coisas cada vez mais sofisticadas.
Como Alfred Sload e Henry Ford tiveram a enorme oportunidade de criar uma nova sociedade em torno do que estavam fazendo, hoje, nós, empresários, temos uma enorme oportunidade de criar uma nova sociedade em função de toda a novidade que estamos criando.
*Nicolás Jodal é CEO e Cofundadorde GeneXus Internacional – empresa que desenvolve o GeneXus – ferramenta de desenvolvimento de sistemas que permite criar aplicativos para as linguagens e plataformas mais populares do mercado, sem necessidade de programar.