No ‘pós-digital’, as competências profissionais devem apoiar o resgate da essência do fator humano

No ‘pós-digital’, as competências profissionais devem apoiar o resgate da essência do fator humano

Por Fernando Moulin, partner da Sponsorb, professor e especialista em negócios, transformação digital e experiência do cliente

Há 2 mil anos, provavelmente nenhuma pessoa na face da terra era mais poderosa do que o imperador de Roma. Os dados e informações que chegavam a ele eram capazes de fazer mudar o percurso de toda a Europa e das civilizações ao redor do “mare nostrum”, chamado de Mar Mediterrâneo atualmente. Uma curiosidade interessante é que se estima que a quantidade de dados que um imperador romano recebesse ao longo de sua vida inteira fosse a mesma processada por uma pessoa comum de nossa sociedade contemporânea, em apenas um dia.

Do mesmo modo que para os imperad Editar data e hora ores de Roma naqueles tempos de outrora, ter a capacidade de extrair inteligência e tomar (boas) decisões a partir de dados e informações recebidas segue como requisito essencial para todos os profissionais, a despeito da carreira em que atuem – em campos do conhecimento ligados à área de exatas, humanas, biológicas ou outras.

No mundo “pós-digital” que a pandemia de COVID-19 ajudou a tornar realidade de forma mais acelerada desde 2020, existe a enorme demanda de desenvolver novas habilidades e competências que se adequem a um cenário de inovação contínuo, pautado substancialmente em dados úteis e que sejam capazes de gerar informações de qualidade para um bom processo de tomada de decisões.

De fato, em alguns aspectos pode-se inferir que as habilidades e atitudes esperadas para um imperador de Roma há dois mil anos não eram muito diferentes daquelas que a sociedade e o mundo corporativo em particular ainda hoje valorizam. Pessoas de maior destaque, independentemente da área de atuação, tendem a possuir relevante conhecimento teórico, capacidade de diálogo e engajamento de outras pessoas, raciocínio analítico e a virtude de usar dados em aplicações práticas no dia a dia, em prol de um benefício maior.

Um relatório muito interessante produzido pelo Fórum Econômico Mundial e divulgado em outubro de 2020, denominado The Future of Jobs 2020 ("O futuro dos empregos"), destaca que metade das competências profissionais necessárias para o sucesso profissional devem mudar substancialmente ao longo dos próximos cinco anos. Uma mudança em ritmo jamais visto na história da humanidade.

O documento destaca duas competências que são consideradas fundamentais para os profissionais do futuro: a flexibilidade e a criatividade. É preciso realmente buscar novas alternativas e se adaptar aos desafios que surgem a todo instante. Estas novas habilidades, continuamente subestimadas ao longo do tempo, passarão a ocupar um papel-chave como complemento de processos decisórios mais baseados em “hard skills”, que até bem pouco tempo eram aquelas competências mais valorizadas em qualquer processo seletivo ou de avaliação de desempenho.

Além disso, há outras competências igualmente necessárias para lidar com um mundo em constante transformação, e que vem ocupando crescente papel de destaque. Por exemplo, a resiliência (quase uma expressão da moda nos últimos anos), é uma delas - por garantir que a pessoa siga em frente, sendo capaz de produzir o seu melhor, mesmo durante as adversidades. A agilidade, manifestada pela cultura ágil dentro e fora das empresas, também surge como requisito essencial para quem deseja se sobressair em qualquer segmento de atuação.

A necessidade de novas habilidades, bem diferentes da época dos imperadores romanos, vai ao encontro do atual cenário em que vivemos, complementando as práticas que se perpetuaram ao longo de milênios e que moldaram gerações e sociedades. –. Hoje, as mudanças ocorrem num piscar de olhos. A complexidade, a visão holística e integração sistêmica são a nova realidade. O que servia como chave elementar para a solução de um desafio ontem, pode não servir hoje – e vice-versa. Isso porque a sociedade do pós-digital exige de todos (pessoas, empresas e governos) respostas cada vez mais rápidas, em modelos de governança, culturas e processos ainda dos tempos de outrora. É preciso fazer testes e aprender com eles velozmente, em tempo real.

Não há mais a oportunidade de espera. A ação precisa ser imediata. O raciocínio analítico precisa acontecer em tempo real e cada vez mais baseado em fatos e dados, mas os planejamentos precisam ser flexíveis e adaptáveis, as pessoas precisam de cada vez mais comunicação em tempo real e de muito propósito comum para que delas seja extraído o melhor, e para isso há que se preparar para adquirir novos conhecimentos (e reciclar antigos) que irão derrubar velhas visões.

Se antes o aprendizado adquirido nas salas das universidades ou nos campos de batalha era suficiente para fazer bons profissionais e imperadores, a partir de dados estáticos e pouco mutáveis, agora a situação mudou. O lifelong learning, ou seja, o aprendizado por toda a vida, contínuo, como uma jornada ao invés de estações ao longo de um caminho, é a dinâmica da vez. É necessário estar a todo instante atualizado com as tendências que surgem em todo o mundo.

E por quê? Acreditem, por um paradoxo. Na aceleração digital, é a adoção dessas habilidades que ajuda os profissionais a humanizarem suas tarefas no dia a dia. Com diversas ferramentas e soluções tecnológicas disponíveis focadas em aumentar a produtividade e automatizando atividades burocráticas, é necessário prestar atenção naquilo que nos faz humanos, plenos, realizados. E para isto, nenhuma competência técnica é capaz de substituir a conversa, o compartilhamento, a empatia, o carinho, o respeito e o cuidado nas relações sociais.

É preciso saber o que seu cliente quer, independentemente do segmento em que atua, e oferecer a ele o atendimento diferenciado, olho no olho, que oferece soluções para seus problemas reais. Entregar valor, outra expressão da moda, só é possível quando a humanidade está presente em qualquer relacionamento, inclusive profissional, em cada detalhe e de forma genuína.

Decifrar profissões em alta no futuro sempre rende boas discussões. É um ciclo natural, em que velhos ofícios ficam ultrapassados e são substituídos por novas carreiras. A diferença é que hoje essa mudança ocorre num ritmo cada vez mais intenso. Se analisarmos as profissões que estariam em alta há vinte anos e compararmos com a realidade hoje vigente, perceberemos que muitas atividades já correm o risco de sumirem ou se tornaram obsoletas.

Portanto, mais importante do que saber quais áreas estarão em evidência daqui para frente, é ser capaz de desenvolver as competências e habilidades que diferenciarão os profissionais tecnicamente capazes daqueles que realmente liderarão por sua visão ampla, sistêmica, analítica e, principalmente, humana. Isso vale para o varejo, a comunicação, a ciência e até para imperadores!

 

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